Cocó: um concurso ilegal?
Desde a invenção da floresta como lugar de “valor”, transformaram planta, água e caranguejo em “produto”. Pura insensibilidade no que temos de “graça”.
Tão assim que em redor do Cocó, construtoras vendem a mata como quintal dos condomínios. É crime? Não. Mas o rio só recebe esgoto e lixo nesse negócio, até aqui, insustentável.
Daí a insistência do concurso de ideias para o Parque do Cocó – do Ancuri ao Caça e Pesca – tenha de ser pensado primeiro na floresta e quem nela nos habita. Fortaleza continuará ganhando.
O concurso de ideias, aliás, é um equívoco e, talvez, uma ilegalidade. Antes dele, o governo do Ceará e a Secretaria do Meio Ambiente deveriam anunciar um edital para o plano de manejo do Parque.
Plano atrasado há décadas. Por isso, todo mundo tascar pedaços do manguezal. Se achar dono, jogar cocô no rio e derrubar árvores...
Se não há plano de manejo, não tem como fazer um concurso de ideais para o Parque. Não há definição diagnóstico ambiental nem norte do que pode ou não se deve construir.
A Lei 9985/00, criadora do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, diz que o Plano é o documento definidor do “uso da área e manejo dos recursos naturais, inclusive da implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade de conservação”.
O concurso de ideais é depois. Como arquitetos irão propor intervenções se não há o plano de manejo com o perfil ambiental do Parque? Irão propor em desalinho com a mata, o rio, seus bichos?
A Lei diz mais: “Até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger”. Tendo que levar em conta, também, as populações tradicionais do lugar.
Qualquer arquiteto comprometido com a ética ambiental teria de exigir, primeiro, que o Plano estivesse à mão. Não é chegar ali e propor um desenho lindo, mas em descompasso com a floresta.
É porque o Poder Público tem um vício de ignorar a legislação ambiental. Ou faz de conta que a respeita. E o discurso é que “tudo tem impacto”. É claro que tem, mas não precisa ser dizimador.
Não pode ser modelo para o Parque do Cocó, por exemplo, o que acontece no Parque Natural das Dunas da Sabiaguaba e na Arie do Cocó. Ambos de responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza.
Lá, mesmo com a existência do plano de manejo, a natureza só perde. Tanto na Arie como nas Dunas falta um “concurso de ideias” para o uso sustentável daquela riqueza. Roberto Cláudio ignora isso.
E Camilo Santana inaugura uma rodovia, a CE-010, na mesma semana em que lança o Pacto pelo Ceará Sustentável, sem plano de redução de danos para o trecho ilegal que foi destruído nas dunas da Sabiaguaba. Ali, será rota de caminhões para o Pecém.
Pois bem, antes do concurso de ideias, o Parque do Cocó tem de ter um plano de manejo. Tem bicho em extinção ali, como o guaiamum ou caranguejo azul...
DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br