Tratado de "empurroterapia"
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Tratado de "empurroterapia"

2018-10-25 01:30:00
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A reação dos mecânicos às críticas de "empurroterapia" são as mais diversas. Alguns incentivam e ressaltam a importância de se acusar as maracutaias. Outros vestem e carapuça e jogam pedra

 

Quando o carro é levado à oficina com sinais de fumaça mais colorida pelo escapamento, tem mecânico que logo sugere que seja desmontado e enviado para a retífica. Tem o mais competente (e honesto) que, antes, verifica não se tratar de um mero retentor de válvula danificado.

 

Se chega fazendo fumaça pelo capô, tem o que vai direto na válvula termostática e a arremessa teatralmente para a lata de lixo. E, a seguir, o discurso de sempre: "Essa válvula só é necessária em países europeus que vivem congelados e com temperaturas abaixo de zero grau. No Brasil, país tropical, ela só serve para fazer a água ferver". E diz ao atônito dono do carro que ele pode ir embora, sem nada cobrar pelo "serviço". Admirado com a "competência" do mecânico, nem imagina que a água não vai mais ferver, porém o motor vai trabalhar em temperatura abaixo da ideal, aumentando consumo e emissões. Ou será que a fábrica mantem o custo de um componente desnecessário?

 

O dono do carro com motor a gasolina reclama que seu custo sobe sem parar no posto e pensa em trocá-lo por um flex para abastecer com etanol. O mecânico tem pronta na gaveta uma opção muito mais em conta: um chip que "converte" o motor para etanol. Minutos depois o carro sai para abastecer com o derivado da cana. E o motor funciona sem problemas, pois o chip "engana" a central eletrônica. Mas não engana o sistema de alimentação que vai enferrujar, pois não foi projetado para receber água contida no etanol hidratado. E o motor terá baixa eficiência, pois a taxa de compressão não foi ajustada para aproveitar a elevada octanagem do álcool.

 

Fiz há tempos uma pesquisa sobre o comportamento de oficinas especializadas em alinhamento. Um carro apesar de novo (frota de fábrica) foi levado à concessionária para conferir a geometria da direção. E correu, então, dez oficinas escolhidas aleatoriamente, para orçar um eventual serviço. Três delas não orçaram, pois "o alinhamento estava correto". Outras seis emitiram orçamento, pois julgaram necessário o procedimento. Entre estas, a matriz de uma rede de oficinas. O carro foi levado também a uma de suas filiais que orçou um valor quase o triplo da matriz, alegando "eixo traseiro empenado"

A troca da correia dentada revela quem é quem, pois muitos mecânicos defendem a troca simultânea do rolamento de seu tensionador. Não prevista em nenhum manual de fábrica pelo motivo óbvio de um componente de aço durar muito mais que um de borracha. Exceto se o rolamento apresentar um envelhecimento precoce, fácil de ser diagnosticado por um mecânico competente e honesto. Ou se o "especialista" for adepto da "empurroterapia"

Por falar em "empurroterapia", esse é um capítulo recheado, tantas as práticas discutíveis nas oficinas. Entre as mais cotadas no ranking, a limpeza de bicos, sonda lambda e até o tanque de combustível. Ou a lubrificação da suspensão e (acreditem) das maçanetas e dobradiças das portas. 

 

Descarbonização do motor que não está carbonizado é outra bem posicionada no ranking. E várias outras, de acordo com a criatividade e "esperteza" do brasileiro. Uma inacreditável: concessionária VW cobrou pela troca do fluido da direção hidráulica de um carro com direção elétrica!

 

Faturar desnecessariamente é mal que aflige indistintamente diversos setores da economia. Além de mecânicos, a ética nem sempre impera entre advogados, médicos, engenheiros, jornalistas

 

Mas, ainda pior é a oficina que cobra pelo serviço não executado. São inúmeras as possibilidades, mas algumas podem ser classificadas como criminosas. Já vi anúncio de reparação de airbag deflagrado, absolutamente impossível de se fazer. O mecânico simplesmente cobre o espaço (vazio) dele com a tampa original. E inventa um sisteminha elétrico para fazer a luz de alerta do airbag no painel se acender e apagar para enganar o motorista. Pode?

Boris Feldman

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