O problemático combustivel
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O problemático combustivel

2018-08-30 01:30:00

Nossa gasolina sempre foi uma encrenca. Houve época em que os carros importados da Europa eram "tropicalizados": tinham sua taxa de compressão reduzida para se adequar à nossa pobre gasolina, de pouca octanagem e muito enxofre. O motor perdia desempenho e o consumo aumentava. Nem mesmo nossa gasolina especial com mais octanagem e chamada de "azul" dava conta do recado.

 

Fim do chumbo

 

Motores e combustíveis evoluíram. Nossa gasolina poderia estar hoje entre as melhores do mundo pois eliminou o chumbo e reduziu o teor de enxofre. O chumbo é tão tóxico que contamina o organismo de forma permanente. A turma "da graxa" no passado ainda é vítima dele: exames detectaram resíduos de chumbo até hoje no meu corpo.

 

No Brasil, a solução para eliminar o chumbo foi a adição de etanol. Solução técnica que acabou descambando para a política: usineiros pressionaram e o governo foi permitindo o acréscimo de seu teor que já atingiu impensáveis 27%. É o motorista lesado com a conivência do governo pois paga por gasolina, mas recebe mais de um quarto de etanol, de valor energético cerca de 40% inferior.

 

Picaretagens

 

Não bastasse, o dono do carro é vítima, ao abastecer, de toda a sorte de picaretagens. No posto desonesto, está sujeito a pagar pela gasolina "super batizada" com teor de etanol superior aos 27% permitidos. O carro flex não reclama pois tem motor projetado para receber qualquer mistura dos dois combustíveis. Mas o excesso de consumo pesa no bolso. Se o motor é a gasolina, pior ainda, pois terá funcionamento irregular e ainda poderá ser danificado pois o etanol "extra" não é anidro, mas hidratado, que contem água. Outra manobra desonesta é da bomba "programável". Um chip controlado remotamente do escritório do posto programa uma entrega de combustível inferior à registrada no visor. Se o motorista ou um fiscal pede para conferir, o controle é acionado e a bomba volta imediatamente a marcar o volume correto.

 

Etanol aditivado

 

Outra picaretagem é do etanol aditivado nos postos Shell. A empresa inventou essa "moda" simplesmente para um faturamento adicional pois não há necessidade (como na gasolina) de se aditivar o etanol. Pelo simples motivo de seu teor de carbono ser apenas um terço da gasolina, impossibilitando, portanto, a formação de depósitos carboníferos na câmara de combustão.

 

O combustível brasileiro é problemático há décadas. Ainda hoje exige projetos específicos para nossos automóveis. Encarece o custo do km rodado. É impunemente adulterado. Prejudica o desempenho de carros importados. E ainda dificulta a circulação de nossos modelos em países vizinhos e vice-versa.

 

Distribuição

 

A ANP faz de conta proteger o consumidor mas, nesta semana por exemplo, manifestou preocupação com a entrega direta do etanol pelas usinas aos postos, que reduziria seu preço na bomba. Mas prejudicaria as grandes distribuidoras.

 

Aliás, o etanol também não está livre de maracutaia. O vendido na bomba pode, oficialmente, conter um pequeno percentual de água (7%) e por isso chamado de hidratado. Mas, o posto desonesto não perde esta chance de enganar o freguês e "bota mais água no feijão". Alguns, no litoral, chegam ao cúmulo de misturar água do mar: vi uma vez, no laboratório da Bosch, o sistema de injeção de um carro flex completamente danificado. O etanol, analisado, revelou presença de elementos característicos do mar, como sal e iodo.

 

Aditivação

Em muitos países, toda a gasolina é aditivada, para evitar depósitos carboníferos que interferem na combustão, aumentando consumo e emissão de gases. No Brasil, a ANP, encarregada de normatizar a aditivação, foi incapaz de enfrentar as poderosas empresas do setor e entregou os pontos. E mais: gasolina aditivada é cada uma de um jeito, pois a distribuidora apenas notifica a ANP sua formulação e estamos conversados. Se a fiscalização da gasolina comum já e deficiente, da aditivação sequer existe. O motorista pode estar pagando pela aditivada e recebendo a comum.

Boris Feldman

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