PUBLICIDADE
VERSÃO IMPRESSA

Quem manda são os uruguaios

2018-02-01 01:30:00
NULL
NULL

[FOTO1]
É tamanho o descaso do governo brasileiro com a segurança veicular que, por enquanto, quem determina os parâmetros de proteção aos ocupantes dos nossos automóveis é uma entidade uruguaia, o Latin NCAP.


Estranhou? Pois então acredite se quiser: os uruguaios estão realizando testes de impacto (crash tests) com automóveis produzidos e vendidos no nosso mercado. Depois dos testes frontais, a empresa passou a simular também, no ano passado, os laterais, nos quais dois compactos nacionais (Ônix e Ka) tomaram bomba (zero estrela). As duas fábricas correram para se explicar. 

 

“Nossos carros estão de acordo com a legislação brasileira”, ambas disseram.
E estavam de fato, pois nossa autoridade máxima, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) só exigia testes de impacto frontal, não os laterais. 

 

Apesar disso, a GM correu para reforçar a estrutura lateral do Onix (e seu sedã Prisma) e mandou ambos para o Latin NCAP testá-los. Os resultados foram positivos: de zero para três estrelas. Envergonhado, o Denatran correu para publicar, há duas semanas, uma portaria (número 721) exigindo os testes laterais. A Peugeot, por exemplo, terá agora que trazer de volta as barras de proteção lateral que retirou do 208 produzido aqui.
 

A rigor, a legislação brasileira de segurança veicular é uma colcha de retalhos que começou a ser tecida na década de 1970 e tomou primeira forma em 2007 com a resolução 221 do Contran, seguindo as normas ABNT 15.300 para testes de impactos frontais. Regulamentada em 2012 seguindo critérios das Nações Unidas (ECE R94), nela se registram os sinais vindos dos bonecos (dummies) nos crash tests para uma avaliação biomecânica da intensidade das lesões na cabeça, pescoço e tórax. A colcha foi ganhando mais retalhos e dois anos mais tarde (janeiro de 2014) foram tornados obrigatórios os airbags e freios ABS.
 

Como não existe laboratório independente para realizar estes testes no Brasil, nosso governo decidiu aceitar os resultados dos crash tests realizados por empresas certificadas no exterior, considerando as normas da ABNT. Ou seja, não se realizavam simulações de impactos laterais, apenas os frontais. Uma divergência com o Latin NCAP, pois seus testes são realizados pelo Euro NCAP com critérios europeus.
 

A leniência do governo brasileiro já fez o País passar diversas outras vergonhas pelo atraso em exigir equipamentos de segurança presentes até em países vizinhos como a Argentina, alguns por pressão contrária do poderoso lobby das fábricas. Até dispositivos simples, como o apoio de cabeça e cinto de três pontos o centro do banco traseiro, demoraram anos a serem exigidos. Outro da maior importância para a proteção infantil, o Isofix, também demorou a se tornar obrigatório. O mesmo com o sistema eletrônico de estabilidade, um dispositivo simples e barato de ser instalado desde que o carro já tenha freios ABS. E a colcha foi ganhando novos remendo...
 

A primeira iniciativa digna de aplausos pelo Contran foi a Resolução 717 de novembro do ano passado. Nela, são relacionadas dezenas de itens de segurança veicular com estabelecimento de prazos para que os estudos necessários à sua implementação sejam apresentados ao órgão. Entre os especificados para automóveis estão o aviso de afastamento da faixa na rodovia, sistema de frenagem automática de emergência, proteção ao pedestre, proteção contra impactos laterais, veículos elétricos, autônomos e até gravador de dados. Os prazos variam de acordo com a complexidade tecnológica de cada um, de seis meses para a maioria, esticados a 36 meses (gravador de dados, ou “caixa preta”) e até 48 meses, no caso dos carros autônomos.
 

Como se vê, um esforço do governo (o primeiro) para que nossa legislação acompanhe a evolução tecnológica da indústria automobilística mundial. Resolução publicada, melhor que nada. Resta saber se os prazos serão efetivamente cumpridos ou todos empurrados (como sempre) para debaixo da colcha… 

 

Resta saber se os prazos serão efetivamente cumpridos ou todos empurrados (como sempre) para debaixo da colcha…  

 

BORIS FELDMAN
BORFELD@GMAIL.COM

Gabrielle Zaranza

TAGS