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A emoção do médico
Ciência e Saúde

A emoção do médico

|Entrevista | A história da neurocirurgia pediátrica e os desafios nos casos de gêmeos craniópagos compõem a trajetória do médico James Goodrich, referência mundial na área
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 James GOODRICH, neurocirurgião norte-americano, em conferência durante o XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, em Fortaleza. (Foto: Geovanne Jinkings/Divulgação)
Foto: Geovanne Jinkings/Divulgação  James GOODRICH, neurocirurgião norte-americano, em conferência durante o XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, em Fortaleza.

O médico norte-americano James Tait Goodrich, professor de neurocirurgia no Albert Einstein College of Medicine (Nova Iorque, EUA), é considerado referência mundial nos casos de siameses ligados pelo cérebro. Ele realizou dez cirurgias desse porte, no mundo, sendo fundamental, inclusive, na separação das gêmeas craniópagas cearenses Ysadora e Ysabelle, em 2018. A equipe do neurocirurgião, no Montefiore Medical Center, criou moldes tridimensionais dos cérebros das gêmeas, para o planejamento da complexa cirurgia. Goodrich auxiliou o procedimento, em São Paulo.

No XIII Congresso Brasileiro de Neurocirurgia Pediátrica, em Fortaleza, ele ministrou conferências sobre a história da neurocirurgia pediátrica e os grandes desafios nos casos de gêmeos craniópagos. Nesta entrevista, por vídeo no WhatsApp, o especialista fala das conquistas, na área, ao alcançar uma técnica capaz de reconstituir, a cada etapa, a singularidade da vida. (tradução: Mary Cavalcante)

O POVO - Conte-me um pouco das primeiras neurocirurgias que o senhor realizou antes de se tornar uma referência na separação de crianças gêmeas siamesas. Quais eram os desafios iniciais?

James Tait Goodrich - A primeira cirurgia que fizemos, que alcançou notoriedade, foi desse garotinho (ele aponta uma fotografia em preto-e-branco, em um quadro, na parede de sua sala). O nome da pequena criança era Podoranski, que foi, na verdade, enviado para nós pelos russos, por volta de 1989, logo quando a Perestroika (política de Mikhail Gorbachev, ex-presidente da antiga União Soviética) estava começando. Ele era um garoto com um enorme glioma ocular. Era uma época interessante no sentido de, para nós, aqui, nos Estados Unidos, quase nunca se ouviu falar em receber um paciente da Rússia para cuidar. Esse caso, em particular, gerou muita publicidade, na época, e foi, provavelmente, um dos casos mais significantes do começo da minha carreira.

OP - E como chegou, para o senhor, a primeira cirurgia de gêmeos siameses?

Goodrich - Os primeiros gêmeos que recebemos foram os gêmeos craniópagos que vieram das Filipinas, através de uma organização de caridade em Connecticut (EUA). Na época, eu não tinha nenhuma pista sobre craniópagos, então, tive que fazer minha própria pesquisa, com a devida diligência. E isso, basicamente, me levou a perguntar a neurocirurgiões de todo o mundo como separar crianças cuidadosamente, porque não havia nada na literatura. De fato, quando eu fui olhar na literatura, era muito funesto, no sentido que ela dizia que uma criança tinha que ser sacrificada para salvar a outra. Felizmente, graças a Jack Walker (dr. Marion "Jack" Walker) - um neurocirurgião que encontrei em Salt Lake (EUA) -, ele me introduziu ao conceito de separação em etapas, onde se separa as crianças devagar, durante o curso de quatro procedimentos. E isso é o procedimento que adaptamos e fez uma enorme diferença no resultado final, particularmente, nos dez conjuntos de gêmeos que operamos até agora e não tivemos nenhuma mortalidade, todas as crianças sobreviveram. Nossa morbilidade é, basicamente, relacionada a um dos gêmeos: se eles são conectados e há uma conexão significante, esse gêmeo avança na frente em termo de desenvolvimento. Também tivemos vários conjuntos de gêmeos que ficaram, absolutamente, perfeitos, pós-operatório sem nenhum déficit neurológico. Então, é tipo um jogo, no sentido de como as pessoas ficam, mas não há dúvida de que os resultados do nosso procedimento inicial, adoção do procedimento em etapas e contornando toda a fisiologia, nós agora chegamos à técnica cirúrgica direta, clara.

OP - O senhor participou da cirurgia das gêmeas cearenses Ysadora e Ysabelle. O que foi inédito, para o senhor, nesse caso? Houve algo que lhe surpreendeu - seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista mais humano?

Goodrich - Eu quero adiantar, de forma bem direta, que uma das vantagens das equipes que trabalhamos, tanto em Fortaleza quanto em São Paulo, foi a oportunidade de ter o equipamento correto, o estudo de imagem correto, o material de cirurgia adequado na sala de cirurgia. Então, quando no momento em que passamos pelos primeiros três estágios do procedimento, tudo, na verdade, aconteceu como esperado: não tivemos nenhuma surpresa, sabíamos como a anatomia ficaria, a equipe cirúrgica sabia como lidar com a situação. E mesmo na separação final, quando tínhamos uma grande ponte entre os dois cérebros, essa é a parte que costuma ser a mais complicada - e que foi -, mas conseguimos colocar tudo no lugar. E claro, no final, tivemos que fazer reconstruções muito complexas, que envolveu nossos colegas cirurgiões plásticos. E, pelo que pude ver nas fotos do pós-operatório, foi feita uma bela reconstrução, com um alinhamento de cabelo muito bom nesses pontos. Então, do ponto de vista do trabalho com a equipe, são grupos de pessoas excepcionais. Todo mundo, da enfermagem ao tratamento intensivo, aos pediatras, aos pós-cirurgiões, participou (de verdade) e fizeram o melhor. E, como qualquer um pode ver, nós conseguimos, tivemos um excelente êxito como resultado.

OP - A medicina já conseguiu avançar por dentro do cérebro, mas ainda existem muitos caminhos desconhecidos. As descobertas levam a novas perguntas. Qual é a grande pergunta que o senhor se faz a cada cirurgia que realiza? E que respostas gostaria de alcançar?

Goodrich - Um dos aspectos interessantes de fazer esse tipo de cirurgia em particular, especialmente, quando se chega aos estágios finais, fica muito emocional para a equipe cirúrgica e, obviamente, para a família porque, uma vez que você os separa na sala de operação, é o momento que sempre leva a um monte de grito e palmas. E, então, claro, quando a família, finalmente, vê as crianças separadas saindo da sala de cirurgia, é um momento muito emocionante para eles, mãe e pai, poderem pegar e abraçar cada criança separadamente. Em todos os casos em que estivemos envolvidos, foi uma cena maravilhosa de assistir e, certamente, os pais, nesse momento, ficam muito agradecidos pelo que aconteceu.

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“Uma vez que você os separa na sala de operação, é o momento que sempre leva a um monte de grito e palmas”

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