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A fronteira entre o natural e o sofrimento
Ciência e Saúde

A fronteira entre o natural e o sofrimento

Silenciar o termo prejudica o conhecimento e a prevenção de práticas que desrespeitam direitos conquistados, relacionam profissionais e especialistas da área
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 (Foto: pascalgenest / gettyimages)
Foto: pascalgenest / gettyimages

A violência obstétrica é uma fronteira entre a dor natural do parto e o sofrimento. Parece difícil separar um e outro, dor e sofrimento; principalmente, quando não se tem o conhecimento sobre o que ultrapassa aquilo que é natural. Desrespeito à autonomia e ao corpo da mulher configura a violência obstétrica, divisa a obstetriz (enfermeira obstetra) Juliana Mesquita: "Pode ser física, verbal, psicológica, a negligência".

Em busca de denúncias formais, O POVO entrou em contato com o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará e as secretarias da Saúde do Estado e do Município. Não há registros específicos. Apenas uma denúncia de violência obstétrica, por meio do "Disque 180", tinha sido recebida pelo MPCE, no último dia 27 de maio, e seguia o devido encaminhamento.

Mas relatos e relatos se encontram entre gestação, parto, pós-parto e "no atendimento ao abortamento" quando se fala sobre "lavagem intestinal, ameaças, gritos, chacotas, piadas, omissão de informações, condutas excessivas ou desnecessárias" - reconhece o Ministério da Saúde (MS), no Blog da Saúde (http://twixar.me/c9pn); em contraposição, por meio de um despacho no dia 3 de maio deste ano, o próprio MS orienta abolir o termo "violência obstétrica".

A prática é antiga. "Somos filhas das mulheres que sofreram essa violência", reconhece Juliana Mesquita. A mãe da obstetriz era parteira há 30 anos e já relatava esses casos. Mas o termo, demarca Juliana, só foi reconhecido na última década, a partir da pesquisa "Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado", da Fundação Perseu Abramo, que revela: 1 em cada 4 mulheres sofre violência obstétrica.

"Aos poucos", diz a obstetriz que também já presenciou algum tipo de violência obstétrica, cada mulher tem acesso a informações que combatem a violação de direitos conquistados: "Sabe o que pode acontecer e o que não pode, ela pode dialogar". Silenciar o termo é frear o conhecimento e o próximo passo até políticas públicas e leis necessárias, entendem especialistas. E as distâncias são longas. Em rodas de conversas com gestantes, no bairro Passaré (SER VI), a doula e estudante de medicina Geísa Santana ouve relatos de "medo da dor" e de violências obstétricas silenciadas: "Todas carregavam histórias de gestações anteriores ou de familiares que sofreram partos traumáticos, mas não davam esse nome. E entendiam que esses maus tratos eram do parto. Que parir era assim mesmo".

Ao lado de outras profissionais, todas percorrem as questões do nascer, nos inúmeros sentidos. E chegam até à fronteira entre dor e sofrimento. "A dor do parto não significa sofrer. E a gente tenta explicar, tratar da anatomia das mulheres, do parto, para desmitificar as informações que escutam", diferencia Geísa.

O conhecimento sobre violência obstétrica "precisa chegar nas mulheres, nos órgãos, precisa ser discutido", dialoga Isabelle Pinheiro Maciel, doula e bacharel em direito. Ela avalia, por exemplo, que o judiciário entende a violência obstétrica como erro médico, "mas é muito maior porque constitui violência de gênero".

Ao acompanhar gestantes, a doula convive com as "violências perfeitas, veladas com aquele véu da ajuda". Para Isabelle, que engravidou na adolescência "e na adolescência não tinha voz nem vez", a humanização do parto é realizada com uma "medicina baseada em evidências científicas, equipe multidisciplinar e autonomia materna".

Documento

Elaborar um plano de parto e "ter um acompanhante empoderado", capaz do apoio necessário, cita a obstetriz Juliana Mesquita, contribui para a prevenção da violência obstétrica. As escolhas precisam ser feitas com conhecimento entre pacientes e obstetras, recomenda a doula e bacharel em Direito Isabelle Maciel. É ainda importante buscar informações seguras.

Onde denunciar

Ouvidoria-Geral do SUS: 136 (ligação gratuita) ou por formulário na internet (http://saude.gov.br/saude-de-a-z/ouvidoria-do-sus). Os hospitais das redes estadual e municipal e da rede particular também recebem denúncias por meio de suas ouvidorias.

Central de Atendimento à Mulher: 180.

Ministério Público do Estado do Ceará: rua Assunção, 1.100, José Bonifácio.

Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará: avenida Pinto Bandeira, 1.111, Luciano Cavalcante.

Conteúdo multimídia

Ouça o debate sobre o tema violência obstétrica no Facebook da Rádio O Povo/CBN e tire dúvidas na live, amanhã, a partir das 14 horas, no Facebook do O Povo Online.

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