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O grande encontro entre ciência e saber popular
Ciência e Saúde

O grande encontro entre ciência e saber popular

|ACERVO| Pesquisa descobre informações inéditas sobre o uso popular de plantas medicinais da caatinga
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Tipo Notícia

"A planta do lugar para o povo daquele lugar". Com esse lema, o professor Francisco José de Abreu Matos (1924-2008), idealizador do Programa Farmácias Vivas, da Universidade Federal do Ceará (UFC) pautou sua carreira científica. Atravessando gerações, o valor da pesquisa desenvolvida por ele continua a ser redescoberto. A importância de seu acervo ganha, agora, um novo capítulo.

Um grupo de pesquisadores, liderado por Karla Magalhães, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica de Medicamentos da UFC, acaba de ter um artigo publicado no importante periódico holandês Journal of Ethnopharmacology (de Qualis A1 pela classificação da Capes) sobre os registros das viagens científicas do professor Matos.

No último dia 21, data do aniversário do cientista e Dia Estadual da Planta Medicinal, a pesquisadora defendeu tese sobre o tema, intitulada "Plantas medicinais da caatinga do Nordeste brasileiro: etnofarmacopeia do professor Francisco José de Abreu Matos".

O cientista, que percorreu o sertão brasileiro por mais de 40 anos, em busca de saber como o nordestino se valia da flora local para tratar os problemas de saúde, é retratado na pesquisa como genial.

Através do resgate e análise dos dados das expedições etnobotânicas (saberes locais sobre as plantas e seus usos), realizadas entre 1980 e 1990 por Matos e o botânico Afrânio Fernandes, também da UFC, a tese apresenta um compêndio (inédito) de documentações populares e dos conhecimentos tradicionais associados, com as informações botânicas, fitoquímicas e etnofarmacológicas.

De acordo com Karla Magalhães, a partir do mergulho nos relatórios de viagens, é possível perceber que o professor utilizava técnicas de análise etnobotânica quantitativa sobre as plantas medicinais mesmo quando essas práticas eram incipientes no Brasil.

"O que nos surpreendeu foi o fato de que, apesar de o professor Matos não ter alcançado tais técnicas, ele as aplicava de forma intuitiva, e várias das indicações por ele anotadas foram sendo comprovadas ao longo dos últimos 30 anos", revela Karla. O ineditismo do trabalho se deve à aplicação dessas técnicas a um acervo pessoal, para analisar as informações anotadas pelo professor. Além disso, a tese sugere algumas plantas medicinais da caatinga com potencial de bioprospecção farmacêutica.

O primeiro passo para a aplicação das técnicas foi a revisão da nomenclatura botânica das plantas pelo sistema APG (do inglês, Angiosperm Philogeny Group), moderno sistema de classificação das plantas com flor. "Pegamos o acervo, catalogamos, organizamos de forma cronológica e passamos a checar a classificação. E começamos a verificar se essas plantas, depois de avaliadas geneticamente, mudaram de nome", detalha.

A aroeira, por exemplo, usada popularmente para tratar inflamações e a mais citada para no acervo de Matos, passou de Astronium urundeuva para Myracrodruon urundeuva. Isso porque a classificação botânica se relacionava apenas a características, como a forma das folhas e a existência de frutos. A partir da APG, houve um mapeamento genético que resultou na reclassificação. No acervo do professor Matos, das 272 espécies, 84 foram reclassificadas.

Desse acervo, 153 plantas (56,3%) são nativas do Brasil - das quais 36 (23,4%) são endêmicas da caatinga. Esse bioma foi pouco estudado até o ano 2000. "A caatinga sofreu durante muito tempo a ideia preconceituosa de que, devido à escassez hídrica, seria pobre em biodiversidade. E isso levou a que muitas pessoas a negligenciassem. Mas o professor Matos, não", situa Karla.(Agência UFC)

 

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