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A convivência na prática
Ciência e Saúde

A convivência na prática

| EM OUTRAS PALAVRAS | A experiência de cidadãs que vivenciaram o extremado processo eleitoral sem anular afetos e crenças políticas
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Tipo Notícia
Aos caminhos abertos pelos especialistas desta reportagem, junta-se o caminhar de três cidadãs. Suyá, Nádya e Érika relatam o respeito na convivência entre as divergências que extremaram este período eleitoral. São palavras e práticas sobre como manter afetos, esperança e crenças políticas - tudo junto - e que reverberam pelos dias dos próximos quatro anos. E além. (Ana Mary C. Cavalcante)

  

Vida que segue acreditando na empatia

 

O começo do processo eleitoral foi "bem complicado" para a Érika Mara Alencar, 50 anos, gerente de Tesouraria. Porque ela havia escolhido "um candidato que é polêmico" e considera que "amizade é tudo, é algo muito valioso". Foi muito difícil controlar esse cabo de forças. De um lado, estavam propostas políticas que lhe representam - Érika é "contra o aborto", a favor da "preservação da família" e se preocupa muito com "a questão da violência". Do outro, estavam "amizades muito extensas".

 

Quando Érika expôs o voto nas redes sociais, ela conta, recebeu muitas mensagens, no WhatsApp, criticando o posicionamento. Resolveu não bater de frente, argumenta: "Não é silenciar", é evitar as discussões virtuais, os exageros nos comentários. "Minha opinião é essa, a sua é essa, e vamos manter as amizades", propôs.

 

Para ela, as "alianças mais importantes da vida" são a família e os amigos que tem. Evitar debates políticos nesses grupos, entende, era um modo de não magoar ninguém. "Nessas eleições, estou orgulhosa de mim porque consegui me conter", reflete.

 

Érika se reconhece uma pessoa que defende seus direitos, mas ao perceber "que a briga ia ser muito acirrada", exercitou o autocontrole. "Doeu me segurar e me orgulho de ter conseguido manter o domínio próprio. E, terminando tudo isso, não vou ter nenhuma cicatriz com ninguém", cura as decepções "com algumas posições" que lhe agrediram.

 

E segue acreditando na empatia, capaz de compor um País inteiro: "Antes de querer defender as ideias da gente, tem que defender o que for melhor para todo mundo. Que quebrem o orgulho e vamos, juntos, tentar colocar o Brasil no lugar dele: bom, saudável, um lugar de paz, rico em sua natureza. Que as pessoas tenham mais empatia, se coloquem no lugar do outro".

 

Vida que segue acreditando na educação

 

Pela primeira vez, em 13 anos de casamento e cumplicidades, a professora Nádya Gurgel, 41 anos, e o marido escolheram candidatos à Presidência da República "totalmente opostos", nesta eleição. "A ponto de não poder tocar no assunto, se não, é briga", lamenta a docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)/Campus Jaguaribe.

 

Nádya, então, silenciou sobre política em casa e nos grupos familiares de WhatsApp. Não foi a melhor opção para ela, que gosta de "informar, esclarecer", mas foi a que achou necessária: "Não entro nas postagens, não interfiro. É um campo de forças, eu não me manifesto, para manter a paz".

 

A professora, que mantém cinco mil amigos no Facebook, diz que não excluiu "o contraditório"; quer ouvi-lo. É importante conviver com as divergências. 

 

"Quando as eleições passarem", ela amplia, também quer "lembrar de pessoas. Vamos tentar conviver, tentando ver até que ponto temos amizade de verdade".

 

Nádya conta que foi excluída de amizades virtuais e recebeu "críticas terríveis" por manifestações sobre seu voto na rede social: "Você, uma professora, uma mãe de família (votando nele)". Ela pondera que "os espíritos estão muito conturbados" e que "esse tema perdurará. Sempre um vai culpar o voto do outro".

 

Para ultrapassar o ódio, defende, é urgente, "mais que nunca, ter equilíbrio, bom senso; saber ouvir". Já existe um "caos instalado", manifesta: o racismo, a homofobia, o feminicídio. "Precisaremos nos dar as mãos e levar humanismo... De alguma maneira, poderemos nos unir, independente de partido, e precisamos ter atos humanitários". Para os dias pelos próximos quatro anos, e além, a professora pede por cuidados básicos para aqueles que não possuem o mínimo. E segue acreditando na educação, esse cuidado: "O ser humano tem que ser prioridade".

 

Vida que segue acreditando na vida

 

"Foram as primeiras eleições que eu, realmente, me envolvi. De pensar nisso o tempo inteiro. Não sou politizada, mas me vi tendo que estudar (a política)", une a servidora pública Suyá Carneiro Lóssio, 31 anos.

 

É que chegou um tempo em que "as consequências dessas eleições poderiam ser muito graves. Não só de forma pessoal, mas de forma coletiva". Ela temia por direitos e por seres humanos que se tornaram alvo. Branca, com emprego estável, como retrata, a partir de si própria, Suyá vê tantos outros "que não têm privilégios" e se preocupa com eles.

 

Mais do que os teóricos que leu, foram os diálogos com familiares e amigos divergentes que lhe deram um grande entendimento sobre política: ver pelo olhar do outro. Suyá ultrapassou o abismo dos silêncios. "Devagar", ouvindo e percebendo quem estava disposto "a conversar e não só a jogar pedras", ela abria conversas.

 

"Quando a gente não conversa sobre a política, os candidatos, os planos de governo, vamos para um espaço onde é jogar a violência uns contra os outros. Vi que quanto mais a gente se aproxima do outro e escuto o que pensa diferente de mim mais entendo porque ele está ali e está pensando diferente de mim", faz pontes. Não se trata de mudar de lado político, ela distingue, mas de criar "um espaço de respeito que era tomado por violência".

 

"Doeu, dói perceber que a gente chegou nesse ponto", expõe. E tem cura? - essa eterna busca. Para a última pergunta, Suyá segue acreditando na vida: "Tem esperança... As pessoas que descobri que pensam muito diferente de mim, todas querem o melhor para o País, apesar da diferença de caminhos. Isso fez o laço se fortalecer. Queremos o mesmo para o País", soma.

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