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A experiência de quem está no campo
Ciência e Saúde

A experiência de quem está no campo

| RELATO | Agricultor aponta problemas de saúde entre aqueles expostos aos agrotóxicos. Pesquisador da Fiocruz fala de falta de controle epidemiológico e de monitoramento dos recursos naturais
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No meio da Chapada do Apodi, quase divisa entre Ceará e Rio Grande do Norte, Juvenal (nome fictício) trabalha na sua plantação recém-inaugurada. São nove hectares de terras compradas há poucos anos, dois mil pés de banana do tipo pacovan e muita expectativa pela colheita, daqui a 11 meses. A independência na vida rural veio após nove anos trabalhando para grandes empresas de fruticultura da região.

 

"Eu não mexia com veneno não, ficava era encaixando melão. Botavam para eu ir, mas dizia que não queria. Porque é perigoso, eu ouvia a conversa dos caras. Era mesmo que se encostar numa cascavel, então eu ia pra quê?", conta o agricultor. Juvenal não sabe dizer o nome dos compostos químicos usados, mas explica que uma mangueira acoplada ao trator jorrava agrotóxico nas plantações. "Quando batia o vento, vinha tudo pra cima de quem tivesse dentro. Tinha um que cheirava igual hortelã, cheiroso, esse aí é que era perigoso", lembra.

 

O controle de pragas acontecia principalmente nos cultivos de goiaba, mamão, banana e melão. "Era de manhãzinha e de tarde, todo dia, direto", diz. A praga combatida seria a mosca branca e, conforme o agricultor, os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) até eram disponibilizados, porém, pouco usados. A justificativa seria o incômodo que máscara, luvas e macacão traziam. Na própria plantação, Juvenal não fará uso de produtos que matam invasores. "Se Deus ajudar é pra dar assim".

 

Ainda que sem nenhum embasamento teórico, ele acredita que o uso de agrotóxico provoque câncer. Vivências e histórias contadas. Um conhecido que teve um tumor na cabeça, outros que sentiam enjoos frequentes. "Eu via que o 'caba', quando a gente ia almoçar, ele não almoçava. Os outros já diziam que era o veneno, matando devagarinho", conta. Comprovados ou não, os efeitos dos defensivos agrícolas, pesticidas, praguicidas, biocidas, agroquímicos, produtos fitofarmacêuticos ou fitossanitários são conhecidos por quem trabalha nas plantações.

 

O pesquisador da Fiocruz, Luiz Cláudio Meirelles, destaca que os agrotóxicos fazem parte de uma categoria de substâncias que eliminam organismos vivos. "E a forma como ele atua nas pragas não é muito diferente do que poderá acontecer no organismo de mamíferos", afirma. Entretanto, reconhece a dificuldade em provar a associação das substâncias na produção do câncer, por exemplo. E explica: "eu sei que existe um tipo de câncer que só o amianto provoca, mas falando de agrotóxico não posso fazer essa relação, porque as pessoas estão expostas a vários agrotóxicos e outras substâncias".

 

Essa impossibilidade de prova científica exibe outro problema: a falta de controle epidemiológico e de monitoramento sobre os recursos naturais, que também incidem na saúde das pessoas. O especialista frisa que o princípio da precaução deve ser preponderante. "Hoje, no Brasil, só tem análise em produtos oferecidos in natura.

 

Precisaríamos estar monitorando água, solo, extratos, geleias, sucos, cereais, carne, leite e ovos", cita. Para a água regularizada para consumo, a análise realizada, de acordo com Luiz, considera apenas 21 das quase 500 presentes nos agrotóxicos.

Sara Oliveira

 

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