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O adoecimento que vem das rupturas
Ciência e Saúde

O adoecimento que vem das rupturas

Trabalhar emoções e preparar-se para rupturas e acontecimentos previsíveis, como a aposentadoria, são as indicações dos especialistas
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“Ninguém acorda velho. Todo dia, com perdas e ganhos, o corpo humano envelhece. A pessoa envelhece de acordo com aquilo que ela construiu”. Assim, a terapeuta ocupacional do Trabalho Social com Idosos (TSI) do Sesc Kamylle Guanabara defende que é preciso tratar de aspectos da vida antes mesmo de se perceber velho. “Só assim o idoso conseguirá passar por situações comuns a quem chega nesta fase da vida”. A saída dos filhos de casa, divórcio, viuvez, perdas de entes queridos e aposentadoria são fatores que, entre idosos, podem levar ao adoecimento mental.


Para a terapeuta, um dos principais marcos observados na vivência diária no TSI é a ideia de perda da função social quando o indivíduo se aposenta. “Está constatado que, nos dois primeiros anos após a aposentadoria, existe um alto índice de mortalidade. Porque o idoso se vê diante de um tempo livre que ele não sabe administrar. Ele se vê destituído de papel, função, autoridade”, acrescenta a gerontóloga Zilma Gurgel Cavalcante.

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Zilma é, neste aspecto, exemplo. Professora universitária, ela se aposentou aos 60 anos e decidiu pôr em prática o conselho que dá: reinventar-se. “Me aposentei, meus filhos estavam todos fora, e só tinha eu e meu marido em casa. Eu pensei: ‘Menina, vou viver assim não, eu vou estudar’. E fiz psicologia, aos 65 anos me formei e hoje sou psicóloga. Me reinventei. Esse foi meu projeto de vida”, relembra, hoje aos 73 anos.


Fazer trabalho voluntário, participar de grupos comunitários, engajar-se em causas sociais, fazer atividade física coletiva, aprender um idioma, ler, manter-se atualizado do noticiário, viajar, conhecer novas culturas. São sugestões de como, mesmo após vivências que causam rupturas, por vezes traumáticas, manter a mente ativa e saudável.


Divórcio

Para a professora universitária aposentada Semiramis Negreiros Machado, 66, o ponto de ruptura se deu com o divórcio e o afastamento físico dos filhos — devido ao retorno para Fortaleza, depois de 47 anos vivendo no Rio de Janeiro. “Só percebi o envelhecimento, vivendo o estresse do divórcio. Há um sofrimento em não estar na casa em que vivia, integrada na comunidade em que vivia. Estou numa posição de estranhamento. Estou lidando com muita sensibilidade”.

 

A partir disso, Semiramis passou a notar lapsos na memória que ela credita ao “episódio estressante”.


Ela procurou então se integrar em atividades sobre literatura, um de seus interesses, além de aula coletiva de terapia ocupacional, ambas no Sesc. “Está sendo fundamental. Ninguém sentado numa cadeira dentro de casa olhando pra quatro paredes fica bem, se não houver troca. Você enlouquece. É preciso conviver, trocar, estar preparada a adaptar-se a diferentes opiniões — isso envolve a inteligência, as emoções”, pontua Semiramis.


Apatias profundas são sinais de depressão, assim como esquecimentos associados a declínios progressivos das funções podem ser o princípio de processos demenciais. Por isso, é importante estar atento, alerta o psiquiatra Eliéser Emídio. “Transtornos de humor, depressão, são muito prevalentes no idoso, e isso está relacionado à qualidade do envelhecimento. Um envelhecimento com baixa interação social, com comorbidades clínicas, sem suporte familiar, cria um plano de fundo para o aumento da prevalência de condições como a depressão”, explica o médico.

Domitila Andrade

 

 

SAIBA MAIS


Mais que em outras idades, um suporte multidisciplinar é imprescindível para o idoso. “Uma terapeuta ocupacional vai fazer um trabalho de estimulação cognitiva muito importante nesse paciente”, aponta a neuropsicóloga do Hospital Universitário Walter Cantídio, Janine Bonfadini.


“O tratamento multidisciplinar é importante para que ele venha a ter a integração de toda as áreas da vida. Não somos só corpo, nem só afeto. E é preciso integrar e estimular os dois”, opina a terapeuta ocupacional Kamylle Guanabara.


 
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