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Os danos causados pelo glaucoma e os avanços da pesquisa
Ciência e Saúde

Os danos causados pelo glaucoma e os avanços da pesquisa

Aos 43 anos, o oftalmologista Felipe Medeiros narra rumos de pesquisas internacionais e inovações em diagnóstico e tratamento do glaucoma
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No 61º Congresso Brasileiro de Oftalmologia — realizado em Fortaleza, de 6 a 9 de setembro — o médico cearense Felipe Araújo Andrade Medeiros foi palestrante e homenageado pelos “serviços prestados científica e educacionalmente”.


Sobrinho-neto de Leiria de Andrade, Felipe é um dos mais renomados especialistas em glaucoma no mundo. Doutor em Oftalmologia pela Universidade de São Paulo (USP), vive nos Estados Unidos desde 2002. Mora na Carolina do Norte (EUA). É professor da Duke University, vice-chair e diretor de Pesquisa do Departamento de Oftalmologia da instituição.


Ele fala sobre glaucoma, que acomete pelo menos 1 milhão de brasileiros e é a principal causa de cegueira irreversível no País. (Lucas Braga/ especial para O POVO)

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O POVO - O que simboliza a homenagem do Congresso Brasileiro de Oftalmologia?

Felipe Medeiros - É um prêmio que recebo com muito carinho e satisfação, pelo fato de ser entregue na minha terra natal. E, embora more nos EUA, tenho sempre procurado manter relação forte com a oftalmologia brasileira: recebo diversos doutorandos ou pós-doutorandos daqui, que passam dois anos lá e depois voltam para aplicar o know-how. Vários deles hoje são professores. É uma maneira de fortalecer também a ciência brasileira.

OP - Quais desafios o glaucoma ainda coloca à ciência?

Felipe Medeiros - Além de não podermos reverter a cegueira, outro desafio é que a doença causa sintomas tardiamente. O paciente costuma ir ao médico apenas no estágio avançado, com perda visual. Neste ponto, o quadro costuma progredir relativamente rápido para uma perda irreversível.

OP - Então a recomendação é procurar um profissional oftalmologista com frequência, mesmo sem dificuldades aparentes em enxergar?

Felipe Medeiros - Sim, é fundamental, para que seja feito exame do nervo óptico, com a pupila dilatada, o que pode mostrar sinais precoces da doença. A doença pode ser diagnosticada a partir de alterações características no nervo do olho. Existe um mito dentro da oftalmologia: que glaucoma é apenas a pressão intraocular alta; mas metade dos indivíduos com glaucoma, não tem pressão considerada elevada. Ou seja, mesmo que o indivíduo não tenha hipertensão ocular, pode ter alterações no nervo óptico.

OP - Mas a pressão do olho elevada realmente tem relação com o glaucoma?

Felipe Medeiros - Tem, sem dúvida. A pressão intraocular ainda é o fator de risco mais importante da doença, mas não apenas ela. Existe uma série de outros fatores, como idade, espessura da córnea e histórico familiar. Quando dizemos que o indivíduo tem glaucoma, há danos ao nervo óptico, à estrutura do nervo: há perda de tecido nervoso, que leva ao dano funcional. O glaucoma é uma doença relacionada à idade. As chances de um indivíduo mais jovem desenvolver a doença é relativamente pequena e tipos congênitos são casos raros.

OP - A que estudos o senhor está se dedicando no momento?

Felipe Medeiros - Vendo todo o avanço tecnológico, desenvolvemos recentemente um óculos como os de realidade virtual que são acoplados em eletroencefalograma (EEG; eletrodos posicionados no couro cabeludo, onde se consegue medir as ondas cerebrais). Quando são apresentados estímulos visuais no óculos, o cérebro gera impulsos elétricos que o EEG consegue detectar. Então eu sei, de maneira objetiva, se o estímulo foi percebido. Todo esse equipamento é wireless, tem custo relativamente baixo e não precisa de preparação complicada. Essa é a primeira vez que um dispositivo portátil foi desenvolvido para medir a função visual. Nossa proposta é que esse dispositivo possa ser usado em locais de mais difícil acesso, ajudando no diagnóstico precoce da doença onde um campímetro não chegue.

OP - O que pode ser apontado como novidades para tratamento?

Felipe Medeiros - Hoje, o tratamento é feito com drogas que baixam a pressão intraocular, essencialmente colírios. Até o momento, não temos outro tipo de tratamento. Há uma tentativa, em estudos mais recentes, de desenvolver medicamentos que protejam diretamente o nervo ocular. Esses neuroprotetores vão começar a ser testados. Outra classe de tratamento investigada é o uso das células-tronco para regenerar o tecido nervoso, mais especificamente as células ganglionares. Ainda é algo relativamente inicial. Então, ainda não há tratamentos de regeneração neural disponíveis para o uso clínico. Acredito que no futuro teremos esse tipo de tratamento, mas não será a curto prazo.
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