Logo O POVO+
150 anos de (boas) vibrações
Ciência e Saúde

150 anos de (boas) vibrações

O aparelho hoje de uso sexual surgiu no século XIX como instrumento terapêutico para o tratamento de muitas enfermidades
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Vanessa Pessoa, sex coach e empresária: mulheres estão mais conectadas ao próprio prazer  (Foto: ALEX GOMES)
Foto: ALEX GOMES Vanessa Pessoa, sex coach e empresária: mulheres estão mais conectadas ao próprio prazer

Com pontas que imitam lábios e que vibram; extremidades que penetram estimulando o ponto G ao mesmo tempo que tremem sobre o clitóris; duas cápsulas separadas por uma corda que podem ser introduzidas em muitas cavidades, como a imaginação desejar; controlados por controle remoto ou por aplicativos de smartphones; com sucção para o clitóris; e até mesmo que envolve a glande peniana. As possibilidades de vibradores disponíveis no mercado, para uso sozinho ou com parcerias, são vastas e estão relacionadas com a descoberta de prazer e da própria sexualidade. Estima-se que o brinquedo sexual surgiu há cerca de 150 anos com funções terapêuticas diversas, já o início do uso para estimulação sexual é controverso e impreciso.

No século XIX, vibradores elétricos eram comercializados em revistas, periódicos, literatura médica e jornais. Os anúncios do século seguinte levaram à pesquisa da escritora Rachel Maines, autora do livro The Technology of Orgasm: "Hysteria", the Vibrator, and Women's Sexual Satisfaction ("A Tecnologia do Orgasmo: 'Histeria', o Vibrador, e a Satisfação Sexual Feminina", em tradução livre). Nele, Meines versa sobre uma narrativa que liga os vibradores ao uso por médicos para poupar força no tratamento da histeria orgásmica. Histeria era considerada, à época, uma doença feminina que tinha, em alguns casos, o orgasmo como tratamento ministrado manualmente por médicos, conta Maines. No entanto, a teoria da escritora, que inclusive virou filme, passou a ser contestada.

"Pesquisas realizadas por historiadores, como Hallie Lieberman, apontam que os vibradores foram utilizados como tentativa de tratamento para muitas enfermidades (insônia, paralisia, epilepsia, lombalgia etc). A histeria também era considerada como uma das condições tratadas pelo vibrador. Entretanto, para essas situações, o vibrador era provavelmente mais usado para uma massagem relaxante em áreas corporais não genitais do que para qualquer tipo de uso erótico", detalha Henrique Luz, psiquiatra e especialista em sexualidade humana. Ele aponta que determinar quando esses aparelhos passaram a ser vastamente usados e difundidos para fins sexuais é difícil.

O uso, muito depois, em vídeos pornográficos deu aos vibradores uma atmosfera cheia de tabus que ainda hoje persistem. Débora Britto, médica ginecologista e sexóloga da Maternidade Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará (Meac - UFC), acredita que o tabu se estabelece não apenas em relação ao uso de vibradores, mas com relação à sexualidade e à dimensão erótica como um todo. "Muitos de nós não tiveram uma educação sexual que permitiu conversar sobre sexo e práticas sexuais e refletir sobre como gostaríamos de viver essa dimensão da vida. Por isso, acabamos por preencher muitas lacunas com mitos, medos, crenças errôneas e preconceitos", reflete.

Para Clariana Leal, educadora sexual e dona da Climaxxx, uma loja especializada em produtos para o prazer feminino, esse tabu está ainda mais presente em relações heterossexuais. "São poucos os homens que conseguem enxergar o vibrador como aliado na cama e uma forma bonita da sua parceira se empoderar do próprio prazer. O que mais acontece é um olhar de competição contra o vibrador, o que não é saudável nem pra ele e nem pra ela", comenta. Assim, muitas mulheres ainda sentem vergonha de dizer que querem ou que gostam de se masturbar, mesmo dentro de uma relação, por se tratar de um ato que é mais naturalizado e socialmente permitido para o sexo masculino.

No mercado de sex shops há dez anos, a sex coach e proprietária da Doce Pimenta, Vanessa Pessoa, vê mudanças nesse modo de pensar. Os clientes que chegavam até ela, em 2009, eram em sua maioria homens interessados em satisfazer um fetiche. Hoje, 50% dos clientes são mulheres conectadas ao próprio prazer.

Mulheres reivindicando seu próprio prazer, buscando falar mais abertamente sobre sexo e indo atrás de informações de qualidade, fez com que, para Clariana, "toda a estrutura da sexualidade tenha sido abalado de forma positiva". "Hoje a gente fala de autocuidado, e consegue assimilar isso também com a masturbação. Consequentemente a indústria respondeu à esse novo ciclo e está se reinventando. Já era hora!", comemora.

Tendo naturalizado o uso de vibradores e comprado o seu primeiro em uma roda de amigas, a professora Marina Vieira, 30, comprou o último sex toy - o terceiro e agora com uso mais frequente há três meses. "Resolvi com minhas amigas fazer um consórcio de vibradores, porque dessa vez o investimento seria mais alto. Todo mês uma das mulheres seria sorteada e eu fui a primeira. Mesmo que o assunto seja tabu, as mulheres arranjam um jeito de conversar sobre sexo, o uso do vibrador, sobre relacionamentos, nós vamos libertando umas às outras", acredita.

Marina Vieira, 30: consórcio entre amigas para compra de vibrador mais caro
Marina Vieira, 30: consórcio entre amigas para compra de vibrador mais caro

Vibradores e a descoberta do corpo

Descobrir áreas erógenas, as intensidades e movimentos que lhe dão prazer, saber o que gosta e o que não gosta e permitir-se sentir prazer. Os relatos de quem usa o vibrador se aproximam na descoberta e no aguçar da sexualidade. "É muito bom poder se descobrir, se permitir ter um momento de prazer, conhecer o seu corpo e suas zonas erógenas, saber o que você gosta e exercitar os músculos", comenta a professora Marina Vieira, 30.

Marina ganhou um vibrador em uma troca de presentes com as amigas, mas nunca usou porque não se identificou com a textura plástica. Depois, comprou um baratinho, com uma superfície emborrachada. Já o terceiro, que precisou de um investimento maior, foi comprado em um consórcio. "Escolhi um modelo que promete 'o beijo que deu certo' no clitóris. Com esse novo, ainda estou testando a combinação da velocidade do massageador do clítoris e do vibrador interno. Precisa tranquilidade para ir descobrindo o que é mais legal, confortável e prazeroso, não é algo que acontece instantaneamente", detalha.

Explorar o próprio prazer também foi o objetivo do universitário Marcelo Brito, 36, com os sex toys. Tendo comprado o primeiro vibrador há 10 anos, Marcelo conta que conseguiu estimular áreas até então inexploradas do próprio corpo e ter muito prazer. "Você começa a descobrir uma gama de possibilidades de ter prazer sozinho. Digamos que hoje eu tenho uma liberdade sexual que antes eu não tinha", acredita.

A professora até então só utilizou o aparelho sozinha, já Marcelo, apesar de ainda encontrar resistência, já aproveitou o plus de sensações do vibrador por parceiros. "Entendo que cada um tem um processo. Eu sou da ideia que a pessoa tem de ter prazer e ser feliz", ensina.

As descobertas são compartilhadas também pela maioria das clientes da sex coach Vanessa Pessoa. "80% das minhas clientes relatam que depois de usar o estimulador clitoriano melhoraram a vida sexual absurdamente e melhora junto o entendimento do próprio corpo", aponta.

Com uma gama de produtos e foco no prazer feminino, os vibradores podem ser utilizados, conforme a médica ginecologista e sexóloga Rayanne Pinheiro, inclusive como recurso terapêutico em pacientes que têm dificuldades de atingir o orgasmo "por potencializarem o estímulo clitoriano", além de auxiliar em tratamentos de certos tipo de dor vulvar.

"A masturbação feminina é algo que alivia uma série de dores, como as de cabeça, costas, cólicas e muito mais. Isso já foi provado pela ciência e, pra nossa sorte, não se para de descobrir mais benefícios", comenta a educadora sexual Clariana Leal.

Além de ser poderoso instrumento para o encontro dos caminhos do orgasmo para mulheres, os vibradores podem ser utilizados por homens (com anéis penianos, masturbadores vibratórios e estimuladores da próstata), e em par para incrementar o jogo sexual, podendo também aumentar a excitação de ambos.

"Pesquisas científicas sérias já mostram com clareza que esses benefícios como melhora da excitação, orgasmo, lubrificação e menos dor no ato sexual", aponta Rayanne. Vanessa comenta sobre as possibilidades que a tecnologia, com vibradores conectados a aplicativos de smartphones, que se acoplam a calcinhas, e podem ser comandados à distância pela parceria, podem incrementar e intensificar o prazer entre o casal.

História

No início do século XIX, já havia toda uma indústria dedicada a fabricar vibradores, em versões movidas a manivela e a vapor, que depois evoluíram para dispositivos movidos a eletricidade.

Em 1903, uma empresa lançou um anúncio do aparelho sexual Hygeia tanto para homens quanto para mulheres - foi a primeira fonte de um vibrador associado ao sexo que a historiadora Hallie Lieberman descobriu em sua pesquisa.

A estratégia passou a ser mais difundida, apesar de ser considerada obscena em alguns países, depois que o aparelho milagroso que curava diversas doenças passou a ser contestado. Em 1915, a Associação Médica Americana declarou que os vibradores para uso médico seria "um delírio e uma armadilha". Com o passar do tempo, os anúncios foram sendo, sutilmente, sexualizados. O vibrador mais difundido hoje surge por volta da década 1950.

A concepção de histeria se transformou consideravelmente no decorrer do tempo. Segundo o psiquiatra Henrique Luz, a histeria esteve associada à patologização da sexualidade feminina, mas desde a década de 1980, com a publicação da terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, o diagnóstico de histeria deixa de ser usado e seu quadro clínico foi subdividido e pulverizado em várias categorias de transtornos mentais.

O que você achou desse conteúdo?