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Menstruação: um tabu quebrado aos poucos
Ciência e Saúde

Menstruação: um tabu quebrado aos poucos

O sangue que desce todos os meses ainda é motivo de vergonha ou assunto proibido em algumas sociedades
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"Não acredito que um filme sobre menstruação ganhou um Oscar!", exclamou a diretora do documentário Absorvendo o Tabu, Rayka Zehtabchi, ao receber o principal prêmio do cinema na edição deste ano. A produção do Netflix mostra uma pequena vila rural em Delhi, na Índia, onde a menstruação é tema desconhecido e sequer eram utilizados absorventes. Apesar de comum às mulheres, o sangue que desce todos os meses é considerado por muitos um assunto que não deve ser tocado, um tabu. A decisão de discutir a questão tem ajudado, aos poucos, a mudar essa ideia.

A doutoranda em sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) Marcelle Silva pontua que não apenas a menstruação, mas tudo ligado à vida íntima feminina, é tido como tabu. "Nós mulheres não somos socializadas com nosso corpo como os homens são. Tem toda essa construção social da vagina como algo que deve ficar escondido, que é sujo", destaca. Ela elenca como uma das razões de a menstruação ser um tema pouco discutido é o nojo construído socialmente. Ter algo "nojento" saindo do próprio corpo se torna motivo de vergonha para as mulheres.

Ela coloca que o fato de ter esse fenômeno natural como algo que deve ser escondido pode trazer traumas. "As meninas não são ensinadas a ter uma intimidade com o corpo, a puberdade se torna um momento muito traumático. Você não tem controle do que vai sair do seu corpo, não tem noção do que vai acontecer porque ninguém fala", afirma.

A psicóloga e mestra em Educação Ana Frota chama a atenção que, dependendo da cultura, a menstruação pode vir também com o medo do casamento. "A menina pode compreender que depois de menstruar ela tem que se casar e ela tem medo disso. Isso pode ser extremamente temido e ser traumático", justifica. "Não significa que porque menstruam elas estão próprias para procriar. Ela não está pronta, nem fisiologicamente, nem emocionalmente. É uma criança que está menstruando, o fato de estar menstruando não traz maturidade".

Ana pondera, porém, que a menstruação pode ser vista de forma muito positiva, dependendo da cultura e da forma como é tratada. "Se a menina vê a menstruação como uma conquista, um passo a mais na liberdade, e se isso foi ensinado, não vai ser traumático", aponta. Para ela, o mais importante é que os pais conversem de forma livre, sem amarras, explicando a menstruação como algo natural e situando a menina sobre o que vai acontecer e o que deve ser feito.

A dona de casa Antônia Silva, 57, não teve orientação quando chegou sua menarca. "Eu não tinha com quem conversar, só me falaram 'vai chegar um dia aí' e perguntavam 'tu já é moça?'. E eu não entendia o que era, não me explicavam, eu ficava sem saber. Quando chegou foi um susto para mim, não tinham me orientado, não falaram como que ia ser", lembra. Suas tias, na época, só falaram sobre o assunto quando a menstruação chegou. "É muito difícil, elas já eram de idade. Elas não iam me falar porque acho que elas tinham era vergonha de falar disso. Elas não tinham ideia de como falar para mim", conta.

Por causa disso, Antônia decidiu conversar desde cedo com sua filha, Antônia Carolaine, 16, sobre o assunto. A estudante tinha 13 anos e estava em casa quando o sangue desceu pela primeira vez. "Foi engraçado porque já me avisavam muito, falavam que eu tava na idade, mas eu pensava que ia demorar mais um pouco", relata a menina. Ela conta que nunca deixou de fazer nada por causa da menstruação nem teve vergonha de falar sobre o tema. "É normal, toda menina tem", resume.

Como mulheres lidam com a menstruação ao redor do mundo

QUÊNIA

No Quênia, o absorvente mais barato possível custa cerca de 55 KHS (aproximadamente R$ 2,08). Esse valor é caro demais para algumas meninas, que acabam usando trapos, folhas, jornais, pedaços de enchimento e até lama para conter de alguma forma o sangue, conforme o Project Humanity. Esses métodos, além de ineficazes, podem causar doenças e infecções.

JAPÃO

Mulheres são impedidas de exercer algumas profissões em partes do Japão por causa da menstruação. Em entrevista ao The Wall Street Journal em 2011, o sushi chef Yoshikazu Ono disse que para ser um profissional da gastronomia é preciso ter um gosto estável na comida. Para ele, mulheres têm um desequilíbrio em seus gostos devido ao ciclo menstrual, o que justifica a impossibilidade de exercerem a profissão.

NEPAL

Em algumas partes rurais do Nepal mulheres e meninas são levadas a viver no campo durante a menstruação, tendo pouco ou nenhum contato humano. Nesse período, as mulheres faltam escola, ficam proibidas de ver o sol e de ter contato com homens, não sendo permitido sequer escutar suas vozes, conforme relatou uma nepalês ao jornal Womens News em 2015.

MALAWI

Pais simplesmente não falam com suas crianças sobre menstruação no Malawi devido à grande vergonha sobre o assunto, de acordo com a Unicef. A pouca informação que as meninas recebem vem normalmente de suas tias, ensinando-as a usar absorvente e alertando-as a não falar com meninos durante o período.

BOLÍVIA

Na Bolívia, meninas são orientadas a deixar seus absorventes separados do resto do lixo, levadas a acreditar que isso pode causar doenças ou câncer. Devido a isso, garotas comumente carregam os absorventes em suas bolsas durante o dia de escola e esperam até chegar em casa para poder jogá-los fora. Informações são da Unicef.

ÍNDIA

A cultura na Índia faz com que mulheres sejam convencidas de que se elas tocarem um vegetal enquanto estão menstruadas irão apodrecê-lo, conforme o The New York Times. As mulheres ainda acreditam que se elas cozinharem qualquer coisa enquanto estão no período menstrual irão "poluir" a comida.

AFEGANISTÃO

De acordo com o jornal Afghan Zariza, as mulheres no Afeganistão acreditam que lavar os genitais enquanto se está menstruada pode levar ao "gazag", que significa infertilidade. Lá, qualquer conversa sobre menstruação é considerada uma blasfêmia.

IRÃ

Uma pesquisa da Unicef de 2013 mostrou que 48% das meninas no Irã acreditam que menstruação é uma doença. O estudo também mostrou que um terço das garotas no sul da Ásia não sabiam nada sobre menstruação.

* Lista organizada pelo The Huffington Post

 

Mulheres em situação de rua e menstruação
Mulheres em situação de rua e menstruação

Sem banheiros, sem absorventes, sem higiene: a menstruação entre as mulheres moradoras de rua

A casa das mulheres que vivem na Praça do Ferreira não tem paredes, teto e nem banheiro. Acomodadas em colchões sujos entre pedaços de papelão no coração da Cidade, elas relatam que uma das maiores dificuldades de ser mulher e estar em situação de rua é menstruar. Para utilizar absorventes, dependem das doações de pessoas que entregam na praça periodicamente durante a noite. Para trocá-los, dependem de banheiros particulares das lojas e lanchonetes da proximidade. O banho tem horário limite na pousada social, independente do momento em que o sangue vem.

Francisca, 26, define o que significa estar em situação de rua e menstruar: uma correria. "Nós dependemos dos banheiros e a maioria daqui é particular das lanchonetes. Quando eles liberam tem lugar para a gente trocar, quando não libera, tem que ficar sujo mesmo", conta. Já há dois anos na Praça do Ferreira, ela diz que já precisou recorrer a panos para conter o fluxo, já que os absorventes doados nem sempre vêm em quantidade suficiente. "Roubar a gente não vai, o que vier pela frente a gente tem que colocar", afirma.

Já há 8 meses na rua, Gabriela, 45, pontua que todo mês é um "sofrimento", principalmente quando o estoque de absorvente recebido é pouco. Segundo ela, costumam distribuir cerca de três unidades uma vez por mês. "Acho que a mulher que vive na rua preferiria ser homem, porque homem não menstrua. Tudo para homem é melhor, tudo para mulher é difícil. Não tem nada fácil no meio da rua para mulher", lamenta. "A gente se acostuma porque tudo a gente tem que se acostumar. Até hoje é ruim, mas tem que tirar de letra".

Para Taiane, 22, que vive na Praça do Ferreira há 4 anos, já não existem dificuldades. "Eu boto o lençol em cima de mim mesma e me troco, meu banheiro é meu lençol", relata. Quando acontece de o sangue manchar roupa ou lençol, ela leva até a pousada social para lavar. Brena, 24, conta que as doações recebidas não vêm da Prefeitura, mas de grupos solidários. A maior diferença entre estar na rua e em casa, para ela, é a frequência da higiene.

O titular da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza (SDHDS), Elpídio Nogueira, justifica que não são oferecidos aleatoriamente itens de higiene como absorventes às mulheres em situação de rua devido a problemas de custeio. "A mulher pode pegar mais de uma vez, é difícil controlar isso", coloca. Segundo ele, as mulheres podem procurar esses itens nos dois Centro Pop, um localizado no Centro e outro no Benfica.

Elpídio afirma que no Centro Pop as mulheres também podem participar de rodas de conversa e ter orientações sobre cuidados pessoais íntimos. Além disso, ele pontua que o Consultório de Rua, uma parceria da SDHDS com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), oferece serviços como atendimento ginecológico para essa população.

Conforme a SDHDS, são distribuídos 120 absorventes por mês juntando as duas unidades do Centro Pop. A média mensal é de 100 a 120 pessoas atendidas em cada centro, entre homens e mulheres. A Prefeitura ainda não tem um levantamento concreto de quantas pessoas vivem em situação de rua na Cidade.

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