O tratamento de pessoas com transtornos mentais em todo o País tinha fórmula certa: amontoar pacientes, independe do distúrbio, em hospitais psiquiátricos e receitar medicação. Na experiência de visita a manicômios no Maranhão, em 1993, o médico psiquiatra e padre italiano Rino Bonvini viu cenas impensáveis num passado tão recente. Mulheres sujas de menstruação apinhadas no chão; homens recebiam jatos de água como asseio. O Movimento Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim (MSMC) veio, três anos depois, como resposta ao modelo vigente. Em permanente desafio, o espaço sedia até sexta, 26, a I Semana da Saúde Mental, Arte e Cultura, com o tema "Além do manicômio; outras práxis e poéticas na Saúde Mental".
"Vivemos num mundo que não deixa espaço para a arte", diz o psiquiatra. O evento acontece na sede da Casa AME (Arte, Música e Espetáculo), residência terapêutica de 10 pessoas que apresentam algum transtorno psicológico. A morada é um dos espaços de cuidados do MSMC.
A arte tem, para Rino, uma força revolucionária, uma re-existência, que leva as pessoas ao renascimento. A fórmula transformadora é, na verdade, bem simples. Inclui acolhida, escuta, cuidado e busca de soluções que levam a pessoa a transformar a dor e sofrimento psíquico em oportunidade de crescimento, autoconhecimento e fortalecimento da autoestima. O tratamento é feito levando em consideração que se trata de uma pessoa, com saberes, quereres, obrigações, possibilidades diversas, mas não somente. Deve ser incluído, no tratamento, a necessidade de o paciente de ser respeitado e, sobretudo, ouvido.
"Isso leva a pessoa a possibilidade de, se quiser, voltar e ajudar as outras pessoas a fazer o mesmo caminho evolutivo", aponta o médico Alex Mont'Alverne. Ele diz que a residência terapêutica é alternativa na luta antimanicomial e é indicada quando o paciente suspende ou quebra os vínculos familiares.
"Os moradores de uma residência têm o acolhimento bem mais humanizados que em hospitais, onde existe uma tentativa de deixá-los no isolamento", diz. A tentativa é de que haja um caminho inverso ao isolamento e que os hospitais psiquiátricos se transformem em hospitais gerais para os momentos em que haja necessidade, como em surtos, por exemplo.
A assistente administrativa Claudete Lameu, 37, participa do Círculo de Mulheres Girassol, um encontro para se conversar sobre assuntos do cotidiano. O grupo reúne cerca de 20 mulheres, algumas sofrem de transtornos como depressão, ansiedade e esquizofrenia, que buscam, juntas, superar os desafios ligados ao ser mulher, em uma comunidade periférica. São 20 meninas e mulheres, entre 12 e 60 anos. "O girassol, quando falta a luz do sol, ele busca a iluminação em outro girassol. A gente busca a luz uma nas outras".
PÚBLICO
A I Semana da Saúde Mental, Arte e Cultura tem programação aberta e gratuita para todos os públicos, mas busca alcançar principal- mente os trabalhadores da rede pública de saúde
Semana no Bom Jardim
Rodas de conversa
Horário / 10h15min às 11h30min
23/4 - Arte e Psicanálise, com Adriana Osterno Aguiar, psicanalista. Membro da Escola Letra Freudiana. Psicanalista Palavradora do Ateliê Casa de Palavra.
24/4 - Ensaios da criatividade; relatos de uma terapêutica expressiva nos CAPS, com Isabel Viana, especialista em Arteterapia e coordenadora da Casa AME no Movimento de Saúde Mental Comunitária, e Derleide Andrade, assistente social do CAPS III, mestre em Políticas Públicas e Sociedade.
25/4 - Estratégias da Tecnologia e da Educação na Saúde Mental com a Psicopedagoga e Assessora do Programa Mais Infância Ceará, Dagmar Soares, e Stélio Gama, presidente do Instituto Nordeste Cidadania.
Exibições artísticas
26/4 - 16h30min / Encerramento com apresentação de dança circular "Somos Girassol", do Círculo de Mulheres Girassol- do MSMC.
Onde: Casa AME e Palhoça Comunitária do Movimento Bom Jardim, na rua Dr. Fernando Augusto, 980 - Bom Jardim