Mais de quinhentos anos depois que os portugueses chegaram ao Brasil, líderes indígenas ainda sofrem ameaças e ataques para que larguem o cocal e direitos garantidos pela Constituição. Diante desse cenário, o 19 de abril, instituído em 1943 como Dia do Índio, não é motivo de festa para muitos.
O líder da comunidade Anacé, na região do Lagamar do Cauípe, Paulo França Anacé, conta que há duas semanas foi ameaçado. Dois homens armados o abordaram e falaram: "Você mexeu com uma pessoa grande. Sabemos que tem família e filhos. Não viemos para assaltar, só para dar um recado. Você deveria sumir". Ele considera que a intimidação, que já acontecia antes por telefonemas, é resultado da pela luta pela terra de seu povo. O sentimento de medo é ainda mais forte, já que ele sabe que não estavam brincando. Outros líderes indígenas já sofreram situação semelhante.
O dia 12 de setembro de 2018 ficou para sempre marcado para a cacique do povo Pitaguary, Maria Madalena. Ela voltava de uma visita à casa de seu irmão quando um homem armado e de capuz a atacou, atingindo-a com um disparo após derrubá-la no chão. O episódio ocorreu após várias ameaças, que já vinham há 30 anos, desde que ela entrou no movimento. "Nosso dia é todo dia, nós existimos e queremos nossos direitos garantidos, já que está dentro da Constituição Federal", pontua.
Não existem ocas na aldeia Japuara, na Caucaia, uma das casa dos índios Anacé; as casas são de concreto, como seriam em um sítio. A identidade indígena se expressa nos detalhes: está nos cocais de folhas de carnaúba - uma árvore sagrada por garantir a tantos a sobrevivência; está nas penas, nas pinturas nas paredes, nos colares de contas e de dentes. A terra ali é "forte", alerta logo um dos índios em português fluente, sem sobras do idioma falado um dia por seus ancestrais. Para evitar os fungos, ele indica, é bom depois lavar os pés em água morna e vinagre.
O cacique geral Anacé, Antônio Ferreira, compartilha que a tribo vive com medo. Ele vive naquele pedaço de chão desde que nasceu, mas já foi detido uma vez, há quatro anos, levado à polícia como invasor. O temor é que o considerado "dono da terra" apareça e expulse as cerca de 1.400 pessoas da tribo, que vivem espalhadas em um espaço indígena que vai da BR-222 até o mar, ao menos em teoria. "Nós não temos segurança ao nosso redor, vivemos aqui só guardados por Deus", diz.
"Nós precisamos da nossa terra demarcada, estamos nesses conflitos porque a terra foi estudada mas não foi demarcada", reivindica o cacique, sempre falando na primeira pessoa do plural, por todos aqueles que o têm como líder. Ele conta que o "ser índio" vem desde pequeno rodeada de medo. Sua avó brigava quando falavam sobre o assunto, a identidade era escondida. "Houve a necessidade de omitir a identidade para não morrer. Hoje a gente fala para poder viver", resume seu filho, Roberto Anacé.
Também filho do cacique, Francisco Climério é crítico sobre o Dia do Índio, data em alusão ao I Congresso Indigenistas Interamericano, realizado em Patzcuaro, no México, em 1940. "É uma data muito mais de sofrimento que de comemoração", critica. Seu irmão Roberto Anacé complementa: "São 364 dias de sofrimento procurando não morrer e um dia de prêmio de consolação".
No Ceará, 14 etnias se espalham por 18 municípios, reunindo 26 mil indígenas, o que corresponde a 17% do total desta população no Nordeste.