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Chilena do Ceará
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Um varal de luzinhas tremula e alumia o meio do mar. Dá a tardinha e Ivonne Vergara, 48, já tem mandado acender as lâmpadas. O passeio do veleiro Philosophy já foi até quase o Mara Hope, contando sobre a história de pontos turísticos impregnados de maresia, e vem voltando para a enseada da Praia do Mucuripe. Há 16 anos, o barco é parte da paisagem da orla de Fortaleza, comandado pela família Vergara. Chilenos de Concepción, tiveram há 36 anos a vida carregada para a Capital cearense no encalço de um desejo de Ivonne, a matriarca.

 

"A gente tinha vindo morar em São Paulo, porque meu pai teve melhores oportunidades de trabalho lá, com o Chile vivendo uma ditadura militar. Mas minha mãe se desgostou da cidade, porque era fria como a nossa e não tinha mar. Ela soube do calor de Fortaleza, viu as fotos da praia numa agência de turismo. E só sossegou quando viemos pra cá", conta a Ivonne filha - cujo o nome se repete, porque a mãe, bem, "sempre amou o som do próprio nome".

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Da infância perto do mar de águas cálidas, Ivonne tem muito vivos os sabores de sorvete que provou nas tardes quentes à beira-mar, as festas no Clube Náutico, o banho de mar com os dois irmãos, e o cheiro instigante de maresia, que lhe encharca a vida até hoje.

 

O pai, seu José Vergara, engenheiro civil de formação, ajudou a projetar o Esmeralda, um navio escola chileno, nadava grandes distâncias no mar gelado. Com os filhos já criados e beirando o descansar do aposento, achou que a paixão pelo mar podia lhe guiar. Decidiu que ia comprar um barco.

 

"Achamos que é loucura, queríamos que o velho descansasse, mas ele não é homem de calmaria". define o pai como a si mesma. Ivonne traz o nome da mãe e o mar em turbilhão paterno. Tanto que aos 14 anos já era seu braço direito: trabalhou na fábrica de calçados, depois na granja, se embrenhou a ser técnica de equipamentos eletrônicos, contadora, confeiteira, dona de limousine… e por último, com o pai adoecido, é a capitã dos destinos do Philosophy. "Mudei de ideia sobre o barco. Eu sei que tomou muito da vida e da saúde do meu pai, mas a primeira vez que fiz o passeio senti uma paz. 

 

Sinto isso até hoje. O Philosophy é uma extensão de mim", conta.

 

Numa associação de veleiros quase toda feita de homens, Ivonne é o contraponto. Vai inventando novos rumos, fazendo decorações, navegando com o barco pela internet, abrindo a embarcação para festas. "Esse é um ambiente muito masculino, assim como tantos outros em que eu estive. Mas não vejo muito problema, não tenho essa relação do que uma mulher pode ou não fazer. Se me dizem que tenho de pegar um tanque com 20 litros de óleo para o barco, eu pego, porque o meu negócio é resolver. Eu sou assim também em casa. Meu marido é professor universitário, ele tem mãos suaves, enquanto as minhas são ásperas, tem mais sol em cima de mim", orgulha-se.

 

Ambiciosa, quer apresentar ao cearense a paisagem que alcança os turistas. 

 

"O turista é importantíssimo, porque participa dos passeios diários, leva as referências dessa terra maravilhosa pra fora daqui. Mas ele sazonal. Eu quero atingir quem mora aqui, para o cearense conhecer o mar, ver Fortaleza de outro ângulo, olhar pra orla de uma outra maneira. A gente não pode se privar da nossa Cidade", acredita e chama de "nossa" sem cerimônia, porque se considera cearense.

 

Sentada em um banquinho, aguarda o Philosophy atracar, para sentir o cheiro de mar que lhe encantava desde menina e ouvir o barulho da onda quebrando. "A moça que trabalha comigo às vezes chega pra mim e diz: 'Dona Ivonne, o que você tá fazendo aqui? Vá pra casa'. Eu respondo: 'Se eu for pra casa meu marido está no mundo dele com os livros; minha mãe tá no mundo dela com o meu pai; minha filha, que é adolescente, tá no mundo dela. E eu? O meu mundo é esse, de frente pro mar", sentencia.

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