As críticas à portaria que modifica as regras de combate ao trabalho escravo ganharam ontem o reforço de nomes como o da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Ambos classificaram a medida como um ‘retrocesso’ e pediram a revogação da portaria que foi editada na última segunda-feira pelo governo federal.
As novas normas mudam a punição de empresas que submetem trabalhadores a condições degradantes e análogas à escravidão. Entre outras coisas, elas determinam que só o ministro do Trabalho pode incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo, que dificulta a obtenção de empréstimos em bancos públicos. A nova regra altera também a forma como se dão as fiscalizações, além de dificultar a comprovação e punição desse tipo de crime.
[SAIBAMAIS]Raquel Dodge se encontrou ontem com o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, e oficializou o pedido de revogação da portaria. Ela entregou ao ministro um documento em que chama atenção para as violações constitucionais que podem ser efetivadas a partir do cumprimento da norma, além de uma recomendação elaborada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Segundo a procuradora-geral, a proteção estabelecida na política pública anterior tem o propósito de impedir ações que ‘coisificam’ o trabalhador, que está na raiz do conceito de escravidão. Raquel Dodge destacou que, na caracterização da condição análoga à de escravidão, é importante verificar a combinação de fatores que atentam contra a dignidade humana do trabalhador.
Retrocesso
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) usou as redes sociais para criticar a portaria. “Considero um retrocesso inaceitável a portaria do Ministério do Trabalho que limita a caracterização do trabalho escravo à existência de cárcere privado. Com isso, se desfiguram os avanços democráticos que haviam sido conseguidos desde 1995”, diz FHC em sua página pessoal no Facebook. A despeito das reações, até ontem o presidente Michel Temer estava disposto a manter a portaria, a fim de não criar embates com a bancada ruralista no Congresso, às vésperas da votação da segunda denúncia contra ele na Câmara dos Deputados.