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Jornalismo é antídoto contra a desinformação
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Jornalismo é antídoto contra a desinformação

Presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostra entusiasmo com o futuro, mas reconhece que o cenário é de grandes desafios
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Marcelo Rech é presidente da ANJ e defende o PL das Fakes (Foto: Fotos Dayvison Nunes/JC Imagem)
Foto: Fotos Dayvison Nunes/JC Imagem Marcelo Rech é presidente da ANJ e defende o PL das Fakes

Gaúcho de São Francisco do Sul, o jornalista Marcelo Rech mantém de pé seu otimismo com o futuro do jornalismo a despeito de reconhecer como imensos desafios hoje colocados diante da atividade. Presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) desde 2016, já no segundo mandato, ele enxerga dificuldades e oportunidades dentro do mesmo olhar que lança para o futuro, apesar do momento tomado por grandes dúvidas. O seu entendimento é de que o jornalismo nunca pareceu tão necessário, diante do que chama de "ondas desinformativas" que se valem de um ambiente de avanço das plataformas digitais, com tudo que elas apresentam de positivo e de negativo no ambiente da comunicação, brasileira e mundial.

O papel da mídia regional, conforme sua avaliação, é ainda mais importante como barreira à ação nociva do que chama de "aventureiros da desinformação". Marcelo Reich conversou com O POVO na tarde da última quinta-feira, em Fortaleza, durante visita dele à sede do grupo.

O POVO: Quais os principais desafios que o momento atual impõe ao jornalismo?

Marcelo Rech - Há uma série de desafios, na verdade. Acho que o primeiro, e mais relevante, é haver uma visão mais ampla e generalizada sobre o valor do jornalismo como uma atividade profissional, valor muito além de apenas gerar uma informação de qualidade, gerar visões de mundo para que as pessoas possam tomar suas decisões, fazerem os seus próprios julgamentos. É um valor que está muito ligado à estabilidade emocional das sociedades, porque no mundo em que a desinformação é um instrumento de geração de confusão, de caos, de erosão de democracias, de processos decisórios, a informação correta, confiável,a pluralidade de opiniões é essencial para essa estabilidade. É essencial para que haja uma sanidade informativa da sociedade. Este é o grande papel do jornalismo hoje, é fazer, por meio de independência, de técnica profissional, por meio de valores que são comungados pelos jornalistas e pelos meios de comunicação, uma certificação dos conteúdos que transitam, sobretudo nas redes sociais, no mundo digital etc, estabelecendo o que é verdade e o que não é.

OP - O jornalismo erra, de alguma forma, pela maneira como absorve e explora as novas tecnologias, as novas mídias? No sentido de extrair delas o potencial que naturalmente possuem?

Marcelo Rech - Acho que, no princípio da era digital, houve, como em todas as áreas da atividade humana, um certo deslumbramento, um certo desconhecimento, o que é natural por ser algo muito novo, com as ferramentas, especialmente das redes sociais, sem que a gente tenha conseguido perceber os efeitos colaterais que elas proporcionariam. Muitos deles negativos, como é o caso da invasão de privacidade, do controle absurdo de informações que as plataformas digitais detêm sobre as pessoas, o fato de as plataformas servirem para disseminação das notícias falsas e, de outro lado, ao mesmo tempo, para criação de bolhas nas quais as pessoas vivem num ambiente de crescente radicalização sem que consigam enxergar opiniões, visões em contrário, o que lhes daria a oportunidade de mudar o seu próprio julgamento.

OP - E com relação aos aspectos positivos dessa nova realidade tecnológica, ao lado bom, as mídias tradicionais têm conseguido tirar o proveito devido?

Marcelo Rech - O grande desafio é que essas tecnologias novas não geram receita....Aliás, geram para elas próprias. É óbvio que o jornalismo profissional é uma atividade cara, fazê-lo com responsabilidade, independência etc exige recursos, que exista um financiamento, seja por meio da publicidade, seja através do usuário, que compra um serviço informativo baseado na credibilidade e na confiança. No mundo digital, das redes sociais, só quem ganha dinheiro, e rios de dinheiro, fortunas, são as grandes plataformas. Não há um modelo de sustentação, a priori, baseado unicamente em receitas digitais, elas existem, têm sua importância. Mais do que isso geram receitas bilionárias, com uma série de problemas que a União Europeia, por exemplo, está tentando regular e talvez isso chegue em alguns países, muito embora, basicamente, para as grandes plataformas que dominam o mundo digital.

OP - Quanto à realidade brasileira, onde há um governo que considera ter vencido a disputa eleitoral muito em função da utilização desses meios digitais, das redes sociais etc, quais são os desafios específicos que estão impostos aos jornais e à imprensa em geral?

Marcelo Rech - Uma coisa é que as redes (sociais) funcionam muito na base da teoria da conspiração. No momento de compartilhar se opta por aquilo que parece impactante, que parece ter alguma coisa por trás, que não pode ser dito, que não se quer dizer, é como se fosse compartilhar um segredo, uma fofoca, alguma coisa assim. É preciso sempre ter alguma embalagem para produzir o compartilhamento, por meio do qual se dissemina essa visão de redes sociais para uso político. Trata-se de uma ferramenta relativamente eficaz, como se vê em várias partes do mundo, durante a campanha eleitoral, mas o grande desafio é que parece impossível governar assim! Não é uma ferramenta que se presta para governo, para administrar, gerir, um país, um estado, um município, de forma sensata e razoável. Então, ela precisa se alimentar sempre do conflito, de uma certa teoria da conspiração. Uma coisa é campanha eleitoral, outra coisa é governar. Acredito que o atual governo brasileiro, aos poucos, a exemplo de outros, vai se dar conta de que uma coisa é campanha eleitoral e outra é administrar o País.

OP - Do lado da mídia, dos meios, qual a reflexão que se faz necessária na perspectiva de uma adequação à nova realidade?

Marcelo Rech - Acho que a principal é de que não estamos aqui desde ontem e até amanhã, os veículos de informação profissionais, tanto quanto os jornalistas, aqui estão há gerações, aperfeiçoando seu método de trabalho, sua técnica, independência, valores éticos, e vão permanecer por muitas décadas, séculos à frente, com seus valores, princípios, e os governos não. Governos, regimes, são circunstanciais, são temporários, enquanto a atividade jornalística é permanente o que significa que nós sob nenhuma circunstância devemos deixar de fazer jornalismo de qualidade, independente, ético, tudo aquilo que caracteriza, em grande medida, os profissionais que fazem jornalismo no mundo todo. Então, o nosso desafio é seguirmos olhando no norte da independência, da qualidade ética, a despeito de pressões e de intimidações de qualquer espécie, buscando levar a informação que, muitas vezes, até descontenta parcelas da população. A nossa atividade não é necessariamente popular, muito menos populista, o que nos obriga, sim, a ter compromisso com a sociedade, compromisso com a verdade, muitas vezes contrariando interesses, de anunciantes, de políticos, de governos, sejam eles quais forem.

OP - De qualquer maneira, como inserir a realidade brasileira dentro de um contexto mundial? Quais nossos desafios específicos, do ponto de vista da imprensa?

Marcelo Rech - Nós temos uma imprensa no Brasil de altíssimo padrão. Uma imprensa qualificada, na condição de vice-presidente do Fórum Mundial de Editores não é algo que eu diga sem conhecimento da realidade, porque eu convivo com as melhores experiências jornalísticas do planeta e o Brasil é, sempre, referência. Tanto que estamos sempre, veículos, profissionais brasileiros, fazendo apresentações em congressos, eventos mundiais de comunicação e de jornalismo. A grande diferença, o aspecto desafiador, como somatório da questão econômica, é haver uma sustentação financeira, econômica, que garanta esse nível de qualidade por muito tempo à frente. É óbvio que a crise econômica, o fato de mais de 70 por cento da publicidade digital ir para apenas duas empresas internacionais acaba afetando a possibilidade de fazer novos investimentos, ou mais investimentos, nos meios de comunicação, assegurando o constante aprimoramento deles no Brasil.

OP - E quanto às, chamadas, mídias regionais. Existe algum desafio ainda mais específico?

Marcelo Rech - As mídias regionais são uma grande barreira contra a desinformação. Na possibilidade de um enfraquecimento demasiado, ou, até, do desaparecimento dos veículos locais e regionais haverá territórios totalmente vulneráveis a aventureiros da desinformação. Gente capaz de fazer circular desinformações, boatos, rumores, com interesses políticos, econômicos e, até, às vezes, criminosos, ameaçando, extorquindo, enfim, pessoas, líderes políticos, econômicos, caso não exista uma imprensa profissional. Portanto, além do papel de valorização do meio regional, por mostrar a cultura local, dar visibilidade à economia, (ela é importante) contra esses aventureiros que fazem mau uso da informação.

OP - O senhor vê risco diante de todo esse quadro, em última instância, à própria democracia?

Marcelo Rech - É um risco. É risco de levar à distorção do processo decisório, de destruição de reputações por interesses completamente à margem da informação, a serviço de achaques, extorsões, que são de natureza criminal e, sem que existam veículos profissionais fazendo a mediação, estabelecendo a verdade, servindo de contraponto, temo muito pela sanidade da democracia. Além de deixar-se sociedades inteiras à mercê desses aventureiros que já começam a circular por ai.

OP - Nesse grande esforço desafiador de buscar equilíbrio entre o que parece ameaçador e o que se pode agregar pelo potencial de oportunidades que apresenta, olhando-se para as novidades tecnológicas a serviço da comunicação, o senhor diria que o jornalismo tem futuro?

Marcelo Rech - Cada vez mais. Diria que quem achava que o jornalismo e o jornalista seriam dispensáveis não viu, ainda, ou não se deu conta, do efeito lesivo e nocivo, atual e potencial, da desinformação. Um elemento novo no cenário mundial, com possibilidades de causar cataclismas econômicos e geopolíticos, a desinformação, que numa sequência mau intencionada pode levar a uma grave crise econômica sistêmica, pode causar uma corrida bancária, por exemplo, pode quebrar uma empresa, gerando desempregos, tragédias, enfim. O papel do jornalismo é ser a barreira contra isso, contra esses que tentam se valer da desinformação para obter benefícios não morais, imorais. Então, além do papel muito antigo, fundamental, de servir de meio de informação da própria sociedade e de servir como elemento de pluralidade, trazendo as diferentes visões e opiniões sobre o mesmo tema, o mesmo fato, o jornalismo é também, hoje, um crescente anteparo, um antídoto, contra as ondas desinformativas.

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