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Jovens e o futuro dos Conselhos Tutelares
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Jovens e o futuro dos Conselhos Tutelares

Para Wilson Donizetti, advogado e promotor com diversos estudos na área, trazer jovens para a escolha de Conselhos é fomentar um futuro em que haja melhor formação
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-02-2019: Entrevista com o Promotor de Justiça, Wilson Donizeti Liberali, na Procuradoria Refional do Trabalho 7º Região, no bairro Praia de Iracema. (Foto: Mauri Melo/O POVO). (Foto: MAURI MELO)
Foto: MAURI MELO FORTALEZA, CE, BRASIL, 27-02-2019: Entrevista com o Promotor de Justiça, Wilson Donizeti Liberali, na Procuradoria Refional do Trabalho 7º Região, no bairro Praia de Iracema. (Foto: Mauri Melo/O POVO).

Encarregado de zelar pelos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o conselheiro tutelar tem o papel de solucionar questões de violações dessas garantias. Para que essa missão ocorra de forma eficaz e no que prevê a constituição, Wilson Donizeti Liberati, acredita que o conselheiro tutelar tem que ser antes de tudo um conhecedor da Lei. Autor de livros na área da proteção de direitos infanto-juvenis, Wilson é promotor de justiça aposentado e atuou diretamente nas discussões que resultaram no ECA como é conhecido hoje. Presente no Ceará no último dia 27, em encontro promovido pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) e Selo Unicef, Donizeti discutiu as principais questões que envolvem a escolha dos conselhos tutelares e parabenizou a iniciativa estadual em fomentar a participação de adolescentes na escolha de representantes do Conselho.

O POVO: Como incluir adolescentes nas sociopolíticas com eficácia? Nesse caso, como atrair adolescentes para essa questão de tomada de decisões em relação aos conselhos tutelares?

Wilson Donizetti: Os processos de escolha do conselheiro tutelar hoje está bem regulamentado pela resolução nº 170 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Eu fiquei muito feliz em saber que o Ceará está com esse projeto de trazer os jovens para esse processo de escolha. Futuramente, esses jovens, hoje incentivados e capacitados, podem também se tornar conselheiros tutelares. Nós estamos preparando o futuro e o estado do Ceará é o único da Federação que está com essa preocupação de preparar o jovem para vir votar partir dos 16 anos nos conselheiros tutelares. Isso é um desafio que eu achei fantástico e ao mesmo tempo difícil, mas tenho certeza que o Ceará vai conseguir. A partir do momento que eu vi que todos os municípios estavam representados no evento, esse é um sintoma de uma certeza e uma vitória já conseguida pelo Conselho de Direitos.

OP: Qual é o desafio para o fortalecimento dos conselhos
tutelares nos municípios?

Wilson Donizetti: Eu bato muito nessa tecla da capacitação. O conselheiro tutelar é um representante genuíno da comunidade, mas não é um representante qualquer. É um representante que precisa ser capacitado, ele precisa conhecer, ele é chamado para resolver problemas da comunidade, para solucionar problemas familiares. Isso obriga o conselheiro, o candidato, a se capacitar.

OP: O senhor tem um estudo sobre políticas públicas. Porque temos dificuldade de políticas direcionada para adolescência e juventude?

Wilson Donizetti: A gente vê que existe dificuldade de diálogo com a rede de atendimento e com o poder público. O Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente é um órgão que tem um grande desafio de se articular com o poder público e o conselheiro tutelar é o que está na outra ponta, vendo se as políticas públicas estão sendo cumpridas ou não. Eu acho que esse é um grande desafio hoje, esse diálogo entre as instituições.

OP: E em relação à garantia de direitos? O jovem costuma ser bastante negligenciado. Dados de 2017 do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CCPHA) apontam aumento no número de jovens mortos no Estado. Além da facilidade de jovens de serem cooptados por organizações criminosas. Diante desta situação,
como garantir direitos?

Wilson Donizetti: Esse é um problema pelo qual todo o Brasil passa. A gente percebe que nas nações onde a educação é levada a sério o nível de homicídios e crimes praticados por jovens é muito baixo. Aqui o jovem não tem opção, não tem visão de futuro, quando algum jovem de algumas comunidades consegue se formar numa faculdade ou consegue um bom emprego é uma gota no oceano. Na maioria das vezes esse jovem é cooptado pelo crime organizado e vai ganhar dinheiro fácil vendendo droga, surgem os homicídios, as brigas de gangue e etc. Na minha opinião, falta educação no sentido formal mesmo, as famílias que estão desestruturadas que se abandonaram na depressão, nas tarefas de pai e mãe, que desistiram de educar os filhos porque têm que trabalhar, os jovens ficam por conta de traficantes e veem essa oportunidade de aliciamento.

OP: Há um livro seu que traz no título
esta pergunta que lhe faço: medida socioeducativa é pena?

Wilson Donizetti: Esse livro foi uma dissertação de mestrado que eu fiz e esse foi o desafio lançado pelo professor orientador. A medida socioeducativa é o nome que se dá à punição ou à resposta ao ato infracional praticado pelo adolescente. Tecnicamente, você não pode chamar um adolescente de criminoso ou que praticou um crime porque a lei diz que só comete crime acima dos 18 anos, então a lei encontrou essa terminologia para a medida socioeducativa. Mas ela não deixa de ser uma sanção. Ela é uma resposta dada ao adolescente que infringe a lei.

OP: Acompanhamos cada vez mais a discussão sobre criminalização e redução da maioridade penal. Como o senhor observa essa medida?

Wilson Donizetti: O relaxamento da idade penal é um assunto que vem à tona toda vez que há a prisão de jovens armados, de jovens que infracionaram a lei, toda vez que aumenta o número de infrações praticadas por adolescentes esse tema é recorrente, então existe uma grande parcela da população que apoia essa ideia achando que "ah, o jovem com 16 anos já pode votar então pode ser responsabilizado criminalmente". De fato, a responsabilização por ato infracional já existe, a resposta é a medida socioeducativa. A grande maioria dos jovens hoje no Brasil é composta de jovens que não infracionaram e que estão mais preocupados com o futuro, estudar, trabalhar. No meu ponto de vista, rebaixar a idade não é uma solução. Quanto mais você endurece determinada prática, mas vai haver outro problema em outra ponta. Imediatamente, quando se rebaixar a idade, se é que isso vai acontecer, imediatamente não vai ter onde colocar esse jovem. Então ele vai cair num sistema prisional falido. Todo mundo sabe que sistema prisional brasileiro é uma fábrica de criminosos e esse jovem às vezes infracionou uma vez, duas, às vezes é cooptado pelo tráfico, não representa ser um adolescente violento. Rebaixar a idade não vai acabar a criminalidade, nós vamos gerar outro problema. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quando criou as medidas socioeducativas já obrigou os governantes a fazerem instituições próprias e até hoje não fizeram. São 28 anos de estatuto, então fica um discurso de político, para agradar a maioria das pessoas mas que não tem efetiva resolução. Vamos continuar vendo jovens praticando crimes e não vamos saber onde colocar esse jovens, assim como não sabemos onde colocar hoje. Fazem um jeitinho, separam uma cela da cadeia, então fica do mesmo tamanho, uma situação que não é simples de ser resolvida. Na minha opinião, nós pecamos muito e estamos adiando demais a resolução do problema da educação no País.

OP: Passados esses 28 anos, o Estatuto continua sendo uma garantia legal?
Precisa ser fortalecido, alterado?

Wilson Donizetti: O estatuto é uma garantia excepcional, assim como é o código de defesa do consumidor, como são as leis ambientais, como é o estatuto do idoso. Porque se não houver uma proteção legal específica para essa parcela de atores - consumidores, idosos, crianças - eles caem na generalidade, no momento em que o juiz vai prestar o serviço jurisdicional, dar uma sentença, aí ele, sabendo que é um jovem, uma criança, tem obrigação de atuar com especialização também. Todas as leis que são específicas para um determinado ator guardam uma garantia muito real. Eu conheci o passado do antigo código de menores, a modificação foi de olhar, foi de visão para o problema. Antigamente a criança e o adolescente eram um problema do juiz de menores e da Delegacia. Hoje a lei trata esse jovem dentro da família e da comunidade. Ele chama a família e a sociedade para resolver o problema do jovem. O que estamos vendo é que nem a família educa a criança e nem a sociedade dá uma resposta à altura. Quando falaram em cantar o hino nacional na escola gerou um burburinho, uma conversa, uma gritaria e sem razão. Eu particularmente sou de uma época em que a gente adorava cantar o hino nacional na escola, cantávamos o hino da bandeira, da República, enfim, não existia conotação militar nenhuma, existia uma conotação de civismo.

OP: Então o senhor não vê problemas
na recomendação do Ministério
da Educação às escolas?

Wilson Donizetti: De jeito nenhum, sou completamente à favor porque eu fui de uma época que respeitavam professores, a gente sentia prazer em ir à escola, sentia orgulho. Hoje parece que esse sintoma está um pouquinho embaçado a gente não vê isso nas crianças e nos adolescentes. As crianças menos, porque criança ainda tem a inocência como proteção, mas o jovem, o adolescente já não quer mais se expor. Não vejo isso (cantar o hino) como um problema, muito pelo contrário, vejo isso como sinal de civismo. Não estou fazendo nenhuma defesa militar, nada disso. Só tô dizendo do tipo de educação que se recebe na família e na escola. Tem que ter orgulho do país onde vive.

Informações para usar no texto

LIVROS

Wilson Donizetti é autor de livros como “Manual de Adoção Internacional”, “Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente”, “Direito À Educação: uma Questão de Justiça” e “Processo Penal Juvenil e Adoção”

CONSELHO

O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, previsto no artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente e encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente estabelecidos na Lei.

ELEIÇÃO

A partir de 2014, com regulamentação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do adolescente (Conanda), o processo de escolha dos Conselheiros Tutelares foi unificado em todo o País. O mandato é de quatro anos.

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