Logo O POVO+
Fundamental para a história e renegado pela Cidade, riacho Pajeú está cheio de esgoto e lixo
Jornal

Fundamental para a história e renegado pela Cidade, riacho Pajeú está cheio de esgoto e lixo

Curso d'água fundamental para a história de Fortaleza, riacho Pajeú foi renegado pela Cidade e hoje corre por seu subterrâneo. Quando chove, ele vem à tona com força e alaga trechos da Heráclito Graça, por exemplo
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Fortaleza, CE, Brasil, 04-04-2019: Canal que passa o Rio Pajeú no Centro de Fortaleza. (Foto: Mateus Dantas / O POVO) (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas Fortaleza, CE, Brasil, 04-04-2019: Canal que passa o Rio Pajeú no Centro de Fortaleza. (Foto: Mateus Dantas / O POVO)

O fluxo de água que ajudou a desenhar Fortaleza corre hoje pelo subsolo da cidade, em galerias e canais que parecem rir do significado original de seu nome - Pajeú vem do tupi e significa "rio curandeiro". Nascendo no quarteirão da Silvia Paulet com a Bárbara de Alencar, o riacho Pajeú segue pela Heráclito Graça, respira na Praça da CDL, no Parque das Crianças e no Paço Municipal antes de desaguar no Poço da Draga. O rio das curas está hoje infestado de esgotos e lixo.

O Pajeú aparece no primeiro documento cartográfico de Fortaleza, rabiscado em 1726 por Manuel Francês, capitão-mor da Capitania do Ceará Grande. O mapa, que hoje integra o Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, mostra o fio d'água passando ao lado do Forte Schoonenborch, construído por um capitão holandês em 1649 - o mesmo que mais tarde seria rebatizado como Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção (1812) e transformado na 10ª Região Militar (1958). Naquele início do século XVIII, a população da Vila de Nossa Senhora da Assunção pouco passava dos 500 moradores.

Mas a história do Pajeú data de muito antes - estima-se que o riacho tenha pelo menos 7 mil anos. Desde a ocupação Holandesa, abastecia casas e comércios. Também garantia a subsistência da pequena aldeia indígena que havia se estabelecido naquele lugar, saída das margens do Rio Ceará. Eram os índios da Aldeota - o bairro que nasceu daquele olho d'água. Na segunda década do século XX, teve início o processo de "urbanização" do Pajeú, pela antiga Diretoria de Obras Públicas. As obras foram retomadas com novo ímpeto em 1980 - quando 3.360 metros do riacho foram canalizados (a extensão total é de 4.714 metros).

"Era um rio belíssimo. Pequeno, estreito, cheio de pequenos riachos. Tudo isso foi asfaltado, fechado. Mataram um clima: o vento entrava pelo canal, gerava uma brisa na região. Hoje não é um riacho, mas um canal, um bueiro engessado. O que resta são as consequências de uma inobservância de critérios ambientais. Ficou caótica a drenagem daquela região", avalia o geógrafo Jeovah Meireles, da Universidade Federal do Ceará (UFC), justificando as inundações frequentes registradas em trechos da Heráclito Graça. "Você pode tirar o riacho, mas os aspectos topográficos são mantidos. Eles são como a impressão digital do estuário do Pajeú, só que agora não existe nada que amenize uma precipitação pluviométrica", completa.

Em outras palavras, todos os elementos e componentes morfológicos que controlariam a drenagem da região - solo, vegetação, margens, planície de inundação, lagoas - foram extintos. "Toda precipitação pluviométrica procura a gravidade. Antes, a vegetação diminuia a velocidade da água correndo, o solo absorvia parte dessa água. E, quando o riacho pegava chuvas mais fortes, extrapolava para as áreas de inundação. Agora, nada disso acontece, está tudo canalizado. Agora, a vazão é tão grande que as bocas de lobo não dão conta, o sistema de drenagem não é suficiente", explica.

De acordo com a Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf), desde 2015 foram realizadas inúmeras obras para melhorar o sistema de drenagem na Heráclito Graça e em suas adjacentes, o que incluiu a instalação de 59 bocas de lobo. No trecho entre as ruas Nogueira Acioly e J. da Penha foram construídos, segundo a entidade, 125 metros de ramais de drenagem.

Jeovah também resgata aspectos culturais e simbólicos do Pajeú, além de todo o seu peso ambiental e histórico. "Era tudo sombreado, a gente brincava por lá, tinha pé de sapoti, cajá, azeitonas roxas. A gente ficava com os dentes corroídos de tanto chupar cajarana. Dava pra pegar peixe beta. E tinha uma mata arbórea, típica vegetação ciliar das margens. Era um símbolo fortíssimo de Fortaleza. Imagina se tudo tivesse sido cuidado", relembra o geógrafo, chamando o riacho de "Sena tupiniquim", referência ao rio que corta a capital francesa.

O que você achou desse conteúdo?