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Kitesurfistas que representam o Ceará no Mundial buscam apoio ao esporte no estado

Rafinha Souza e Emmanuel Sousa já conquistaram bons resultados no kitesurf, mas ainda brigam por mais competições, apoio do Estado e patrocinadores
12:03 | Out. 17, 2019
Autor Vinícius França
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Vinícius França Repórter de Esportes do O POVO
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Tipo Notícia

Entre os dias 12 e 16 de novembro deste ano, kitesurfistas do mundo inteiro farão uma peregrinação para a “Meca do kitesurf”com o objetivo de disputar o Ceará Kite Pro, a penúltima etapa do Circuito Mundial. A A busca é pela conquista do título e também por prêmios que totalizam 25 mil euros (hoje o equivalente a cerca de R$ 110 mil). A organização do evento é da Global Kitesurf Association (GKA) no Rancho do Peixe - que funciona como uma espécie de Quartel General do evento - na Praia do Preá, em Cruz, a 242 km de Fortaleza.

Durante esse período, serão celebradas as águas quentes, os ventos fortes e a temperatura agradável como cartões de visita de um estado referência no cenário mundial do esporte. Mas a realidade dos atletas cearenses é bem menos ensolarada do que se desenha nas coberturas do evento.

Rafinha Souza, 26, e Emmanuel Sousa, 28, representam o Ceará na disputa. Eles alegam conviver com a falta de apoio governamental e privado para se dedicarem exclusivamente ao esporte, além de encontrarem outras dificuldades ao longo do caminho. Nas águas que conhecem bem, tentam superar as adversidades e trazer o título para um estado que, embora tenha condições perfeitas para a prática do kitesurf, ainda não dá as mesmas condições para os seus atletas mais talentosos.

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Sem disputas

O primeiro contato de Rafinha com o esporte foi em 2005, quando tinha 12 anos. No começo, ele tinha aulas com Emmanuel, que, quando também começou a velejar, chegou até a mudar de turno na escola para poder se dedicar ao novo hobby: “Velejava todos os dias, passei a estudar de manhã pra não perder o dia inteiro”, conta.

Emmanuel Sousa velejando na Praia do Futuro
Emmanuel Sousa velejando na Praia do Futuro (Foto: Mauri Melo)

A paixão dos atletas pelo esporte foi praticamente instantânea. Nascidos em São Gonçalo do Amarante, foi na Praia da Pedra Redonda, em Paracuru, a 91 km de Fortaleza, que eles desenvolveram suas habilidades e viram que a diversão poderia se tornar algo mais sério. O kitesurf tem várias formas de disputa, mas Emmanoel e Rafinha se especializaram no strapless, em que o atleta deve fazer saltos com giros em 360 graus sem utilizar a alça que prende os pés à prancha.

Nessa categoria, eles competiram no Pedral Kitewave Strapless em 2017, no Piauí, equivalente a um campeonato brasileiro. As campanhas foram de destaque: Rafinha foi vice-campeão ao perder uma decisão acirrada contra Sebastian Ribeiro, referência no Brasil. Emmanoel caiu nas quartas de final, também eliminado por Sebastian.

Rafinha Souza velejando na Praia do Futuro
Rafinha Souza velejando na Praia do Futuro (Foto: Mauri Melo)

Com bons desempenhos, a lógica era que os atletas continuassem competindo em alto nível, mas não foi isso que aconteceu. O Pedral Kitewave foi o último campeonato a ser realizado a nível nacional na categoria strapless. No Ceará, o circuito estadual mais recente foi em 2011, há oito anos. “A gente tem que esperar o Mundial chegar. Se tivesse uma etapa do brasileiro ou do cearense, estaríamos mais aptos a disputar o Mundial. Chegaríamos mais tranquilos”, argumenta Rafinha.

Falta apoio

A escassez de competições é só mais uma pedra no caminho dos atletas que desejam construir uma trajetória nesse esporte. Sem disputas, também não há muita visibilidade para os riders, que têm problemas para conseguir patrocínios para bancar custos elevados com materiais, deslocamentos e taxas de inscrição em campeonatos.

Rafinha e Emmanuel têm alguns patrocínios e parcerias, mas reconhecem que esse apoio pode acabar não sendo duradouro: “Eu tenho 18 anos de kite e só há dois anos sou patrocinado por marca. A gente também não sabe até quando vai ser (o patrocínio). Eles ajudam, dão material, mas às vezes esquecem um pouco o atleta”, revela Emmanuel.

Emmanuel Sousa começou a velejar em 2001, quando tinha 8 anos
Emmanuel Sousa começou a velejar em 2001, quando tinha 8 anos (Foto: Mauri Melo)

Outra das principais queixas é por uma suposta omissão do poder público, tanto do Governo do Estado quanto da Prefeitura de Paracuru, em viabilizar competições. Eles também criticam o fato de que os atletas não recebem um apoio financeiro para se manterem por meio do kitesurf. Segundo Rafinha, esse tipo de ajuda já existiu antes: “(O poder público) poderia pegar os atletas que se destacaram melhor e investir, apoiar, dar patrocínio. A gente competia no freestyle (modalidade) e tinha bolsa, hoje não tem mais".

Sem ter como viver só do esporte, os rapazes dividem a vida de atleta com a de professor. Eles dão aula de kitesurfe na Pousada Wind Paracuru, cujo proprietário é o francês Jean Marc Franceschetti. Nascido em Paris, ele se apaixonou pelo esporte no final da década de 90, quando ainda morava na Europa.

Rafinha Souza foi aluno de Emmanuel quando começou a praticar o kitesurf
Rafinha Souza foi aluno de Emmanuel quando começou a praticar o kitesurf (Foto: Mauri Melo)

A paixão o levou até o Paracuru, onde abriu seu empreendimento e hoje pode ser considerado o principal “patrocinador” de Emmanoel e Rafinha: “São bons atletas, eu gosto deles. Faço minha parte, levo eles pras competições, tento pegar contrato com uma marca“.

No dia da entrevista, eles só estiveram presentes porque Jean Marc os levou até a Praia do Futuro, onde a reportagem esteve. Apesar de ajudar a pagar inscrições e bancar outros custos, o francês não se considera um “investidor”, pois não espera algum tipo de retorno financeiro além das aulas que Emmanuel e Rafinha já dão na sua pousada. “É uma diversão”, ele admite.

Quando a maré baixar

Com o Circuito Mundial se aproximando, os kitesurfistas focam no preparo psicológico. Sem competições, velejam de uma a duas horas por dia, aproveitando o vento das praias. Quando dão aula, procuram não passar a realidade difícil para os seus alunos. “A gente tenta não falar essa parte. Ajudamos, falamos ‘vai lá, vai na fé, vai dar certo, é só treinar. Vai conseguir um patrocínio e um apoio, como a gente tem”, diz Rafinha.

Rafinha e Emmanuel esperam dias melhores para os atletas de kitesurf no Ceará no Circuito Mundial de Kitesurf, na Praia do Preá
Rafinha e Emmanuel esperam dias melhores para os atletas de kitesurf no Ceará no Circuito Mundial de Kitesurf, na Praia do Preá (Foto: Mauri Melo)

Frente a um cenário de incertezas, competir no Circuito Mundial e bater de frente com os melhores do mundo já é uma grande vitória. Mas além de ser algo relevante para o currículo de Emmanuel e Rafinha, vencer o campeonato também pode ser o ponto de partida para que as atenções se voltem aos kitesurfistas da sua terra. Quando as pranchas entrarem nas águas da Praia do Preá em novembro, algo muito maior que um título pode estar em jogo para os atletas cearenses.

O outro lado

A Secretaria de Juventude, Esporte e Lazer (Sejel) do Paracuru alegou que tem em vista projetos para os kitesurfistas do município, como competições locais, mas falta articulação dos atletas da região. “Já tive uma conversa com um grupo com a ideia de projetar uma competição para o município. Começamos a discutir ideias de estrutura, local, apoiadores, mas as pessoas não nos procuraram mais e fomos dando sequência a outros projetos”, diz Adriano Barbosa, titular da pasta.

Segundo o secretário, a Sejel nunca foi procurada por uma organização formal de praticantes de kitesurf do Paracuru. “Nosso público de kitesurf é muito pequeno, mas o município não se recusa a alavancar a modalidade”, diz Adriano.

Presidente da Associação Brasileira de Kitesurf (ABK), Eduardo Fernandes afirmou que a ABK passou por uma crise financeira recente que inviabilizou a realização de um campeonato brasileiro em 2018. Neste ano, porém, haverá um campeonato nacional no Rio de Janeiro, entre os dias 26 de novembro e 1º de dezembro, na categoria strapless. Ele conta que muitas competições surgem de uma iniciativa de associações locais que buscam as prefeituras para realizar eventos.

Segundo Eduardo, a associação é “totalmente articulada com o poder público” por ser vinculada à Confederação Brasileira de Vela (CBVela), que é ligada ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Essa vinculação seria o primeiro passo para que atletas de kitesurf recebessem verba do Bolsa Atleta, mas a única categoria contemplada é a fórmula kite, que será disputada nas Olimpíadas de 2024. Assim, atletas de strapless não podem receber esse incentivo do Governo Federal, que prioriza as modalidades olímpicas.

Eduardo também afirmou que a realização de eventos não é a prioridade da ABK no momento, e sim a “regulamentação do esporte, das escolas para instrutores, a fomentação da prática segura e a regulamentação dos kite points, onde é praticado o kitesurf”.

Presidente da Associação de Kitesurf do Ceará (AKC), Fred Jean segue a mesma linha de raciocínio da ABK. “Hoje, meu intuito maior é regulamentar e normatizar o esporte no estado: criar regras, conter a prática desenfreada que tá tendo e que acaba acontecendo incidentes que prejudicam a imagem do esporte”, afirma. Ele diz que, hoje, “todo mundo vê o lado da festa. O lado chato fica pra gente, que tenta enxergar um pouco mais à frente”.

Fred alega que as gestões anteriores da AKC enfrentaram problemas que estão sendo “enxugados” pela gestão atual, como falhas na prestação de contas do uso de dinheiro público que também inviabilizaram a realização de campeonatos.

O presidente da associação ressalta que a regulamentação é a maior prioridade do momento, e que as demandas dos atletas acabam ficando mais isoladas frente à urgência dessa pauta. “Tem dois atletas reivindicando campeonato enquanto tem 5 mil praticantes reivindicando segurança, áreas apropriadas e sinalização”, afirma.

Via assessoria, foram enviados alguns questionamentos para a Secretaria de Esporte e Juventude (Sejuv) do Governo do Estado, mas não houve resposta até o fechamento do texto.

Confira a galeria de fotos dos atletas:

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