Início do Campeonato Cearense Feminino expõe realidade da modalidade no Estado

Enquanto Ceará e Fortaleza totalizam quase R$2 milhões em investimento na categoria, demais participantes do certame vivem outra realidade bem distinta

O relógio marcava 42 minutos do segundo tempo quando, acima do banco de reservas do estádio Franzé Morais, o placar marcava nove gols para o Ceará e zero para a equipe visitante, a Menina Olímpica. O duelo entre as equipes ocorreu dois dias depois de o Fortaleza vencer o São Gonçalo em 3 a 1, placar mais modesto, mas ainda confortável para o time grande. 

Placares desequilibrados são recorrentes no torneio estadual, com exceção de duelos entre Ceará e Fortaleza, o Clássico-Rainha. Eles evidenciam a diferença de qualidade técnica entre os times da Série A local, mas também escancaram a disparidade que ocorre entre as equipes entre um lado e outro do campo. De um lado ficam Ceará e Fortaleza, totalizando quase R$2 milhões em investimento anual na modalidade — sendo R$ 1,4 milhão do Alvinegro e R$430 mil do Tricolor. Do outro, estão a Associação Menina Olímpica e o São Gonçalo, com realidades bem distintas.

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A Menina Olímpica existe há 15 anos como projeto social. Foi base para a formação de elencos de Ceará e Fortaleza nos últimos três anos, já teve 15 atletas convocadas para as seleções brasileiras de base, além de também ter preparado profissionais na gestão do esporte. Toda essa autoridade no cenário do futebol feminino, no entanto, é fruto de muito trabalho coletivo feito com pouco investimento.

Os benefícios captados por ano no time são, em média, de R$19 mil — sendo boa parte de patrocínio social da Cimento Apodi. No cenário da pandemia do novo coronavírus, porém, a dificuldade na arrecadação de maiores valores para investimento no elenco aumentou, já que boa parte do valor é destinado ao pagamento do aluguel da sede do time.

Essa discrepância nos valores arrecadados para investimento no time quase fez com que o Estadual feminino não ocorresse. De acordo com o presidente da Menina Olímpica, Chagas Ferreira, o planejamento da Associação era montar um time competitivo, mas eles não conseguiram arrecadar o patrocínio necessário.

A desistência acabou por ser uma opção, o que fez com que o torneio fosse adiado. Entretanto, logo o clube retrocedeu na decisão, pois se renunciasse à participação teria de ficar dois anos longe das competições organizadas pela Federação Cearense de Futebol (FCF). A solução encontrada foi fazer uma parceria com outra equipe.

“Estamos terceirizando, fazendo uma fusão com uma equipe amadora, para que o time seja remontado e que possa entrar para cumprir tabela e mantermos o nome da Associação Menina Olímpica dentro das próximas competições”, explicou Chagas ao O POVO antes do início do torneio. Ele também expôs que a decisão de prosseguir no certame foi tomada para não atrasar o calendário de competições da FCF.

O calendário divulgado pela Federação mapeia as datas de março a maio para o Campeonato Cearense Feminino Sub-18. Até lá, por questões logísticas — como disponibilidade de estádios, além da realização de outras competições — seria essencial que o Estadual da modalidade tivesse sido finalizado.

A data coincide, no entanto, com o Campeonato Brasileiro Sub-18, do qual participam Ceará e Fortaleza. O Alvinegro faz parte do Grupo F, juntamente com Ferroviária-SP, Vasco-RJ e Minas Brasília. Já o Tricolor está no Grupo E junto, a Flamengo-RJ, Goiás-GO e Botafogo-RJ. Em contato com O POVO, tanto Alvinegro quanto Tricolor afirmaram estar montando dois elencos, um para disputar o Campeonato Cearense e outro para disputar o Brasileirão Sub-18.

“Nós por nós”

Há muitas as narrativas que cercam a vida de jovens que buscam viver do futebol. O garoto que precisa deixar o lar antes da maioridade em busca do seu sonho; a garota que precisa ser estudante e até mesmo dona de casa antes de ser a jogadora no time amador do bairro, são algumas das muitas histórias que se escuta no meio de um time de futebol. Nenhuma delas é fácil.

A dificuldade é maior ainda quando, além de se esforçar para ser jogadora, você ainda precisa lutar para que o time permaneça de pé, uma realidade vivida pelo São Gonçalo. Criada em 2012 e oficializada em 2014, a equipe chega ao Campeonato Cearense sem investimentos.

De acordo com o presidente e treinador do clube, Renezito Júnior, as pessoas que formam o time ajudam a captar recursos por meio de rifas e cotas. O espaço utilizado para treinar é o campo público do Município. Apesar da dificuldade, o treinador rejeita qualquer desestímulo quanto à participação no certame estadual e ressalta a força que encontra nas atletas para seguir com o projeto.

“Há cansaço, momentos de repensar se continuamos ou não, mas quem vive o futebol, vive por imenso amor e supera todos os obstáculos. Quem deve ser lembrada e exaltada são as atletas, muitas têm praticamente três turnos, acordam cedo, arrumam a casa, cuidam de criança, fazem comida, trabalham e depois vão para o treino. Então, vendo essa lição de vida e resiliência, o restante tudo elas suportam e essa força que elas têm nos contagiam e nos leva a continuar”, disse ele em conversa com O POVO.

Na beira do gramado

Responsável pela organização dos torneios estaduais, a Federação Cearense de Futebol arca com os custos de arbitragem, delegado da partida e outras situações em relação ao grupo de pessoas que trabalha no jogo. Por se tratar de um campeonato que foi reiniciado recentemente, com a participação de poucos times, a entidade não cobra taxa de inscrição das equipes.

Em função da pandemia, a FCF não está cobrando o registro das atletas participantes do certame. Os jogos são realizados nos campos de treinamento de Ceará e Fortaleza, logo, não há cobrança de aluguel pelo espaço. Despesas de locomoção, hospedagem, alimentação, suplementação, translado para treinos e jogos são pagos pelos clubes participantes.

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