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Caso da agressão a repórter do Ceará: o machismo alimenta a violência

A repórter do Ceará, Mari Rios, foi agredida no jogo contra o Flamengo, nesse domingo, 29, no Castelão
18:01 | Abr. 30, 2018
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A partida entre Ceará e Flamengo ocorrido neste domingo, 29, deveria ter sido somente mais um dia de trabalho para Mari Rios, jornalista da Vozão TV. Mas não foi. Foi um dia de agressão. Provavelmente, a rotina da jornalista não é livre de assédio e desrespeito. A diferença é que desta vez a agressão ultrapassou os limites verbais. Ela foi segurada pelo braço e ouviu palavrões de torcedores do clube para o qual trabalha.

Instantes após a repórter noticiar que foi vítima de agressão na própria conta no Instagram, o Ceará lançou uma nota de repúdio em seu site oficial. Em nota, o clube diz que vai tomar as providências jurídicas necessárias e cita até apoio à campanha #DeixaElaTrabalhar. A postura é pontual e contraditória.

Enquanto toda essa pró-atividade é anunciada em redes sociais, há uma semana o presidente do Ceará, Robinson de Castro, justificou em entrevista a contratação do jogador conhecido como Juninho, acusado de agredir e ameaçar ex-namorada com faca. Em entrevista publicada no O POVO, o presidente diz: “Contratei jogador pra jogar futebol, não foi pra casar com a filha de ninguém”.

O argumento não só é machista como naturaliza uma situação que é gravíssima e não teve todos os desdobramentos devidamente apurados. Naturalizar agressão é também estimulá-la. A fala não é efetiva quando não é acompanhada de ação. Pouco adianta se manifestar em favor de uma campanha de combate à violência contra a mulher quando há um posicionamento do próprio presidente na contramão disto.

A posição a favor de jogador acusado por agressão já havia acontecido em outro momento. Indiciado por agressão, estupro e tortura da então namorada grávida de três meses, o jogador Wescley foi recontratado pelo Ceará. Na ocasião, o presidente fez declarações similares às mais recentes. A postura do clube ao assinar contrato com o jogador negligencia a acusação que recai sobre ele.

A relação de machismo, principalmente em estádios de futebol, é incrustada e exige de todos nós o esforço por garantias óbvias: ir à um estádio trabalhar ou simplesmente assistir a uma partida sem ser vítima de assédio. Quase todas as jornalistas%u200B que conheço que trabalham em estádios já foram vítimas de situações graves de assédio e desrespeito moral única e simplesmente por ser mulher. Na hora em que foi agredida, Mari não estava acompanhada de produtor, cinegrafista ou qualquer figura masculina. É absurdo que a garantia do direito de uma mulher esteja associada a ter um homem por perto.

É importante que o clube seja enérgico nas providências sobre o caso e que haja ações de manifestação e apoio de outros times. A demonstração de combate ao machismo se dá em vários aspectos e todos eles precisam ser vistos. O que aconteceu com a jornalista foi inaceitável e um retrato ampliado do que já ocorre com qualquer mulher que tenha um estádio como local de ofício.

Depois da denúncia que fez em seu perfil no Instragram, Mari não comentou ou deu qualquer outra declaração sobre o assunto. Não persistir na denúncia diante da repercussão, pode enfraquecer a queixa. Mas diante da falta de apoio de uma torcida que permanece nos comentários das redes sociais agredindo a jornalista, pode ser a única forma de vislumbrar a continuidade de seu trabalho que depende da ia aos estádios.

Quero acreditar que o futebol é espaço de transformação. Acho importantíssimo o reconhecimento da campanha #DeixaElaTrabalhar, mas vou além. Não se trata de deixar nada. Não é um pedido de permissão. Se trata de um direito a ser exercido e respeitado.

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