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Futebol chinês: o gigante acorda lentamente

14:37 | Fev. 15, 2019
Autor DW
Tipo Notícia

Após investimentos pesados na compra de jogadores estrangeiros, uma mudança de cultura na China pretende levar o país ao topo do futebol mundial. A atual edição da Copa da Ásia é um teste.Ao ser questionado por que o país com a maior população do mundo não é uma das maiores potências futebolísticas, Marcello Lippi suspira e olha criticamente para os jornalistas presentes: "O mais importante é que continuamos a investir na próxima geração", diz o técnico italiano, que comanda a seleção chinesa desde 2016. "Melhoramos muito, mas ainda precisamos de mecanismos mais sólidos para encontrar e liderar talentos de maneira mais rápida." A 17ª edição da Copa da Ásia, que está sendo disputada nos Emirados Árabes Unidos até 1º de fevereiro, é um indicador. Em 2015, o presidente Xi Jinping formulou como objetivo levar a China ao topo do esporte mais popular do mundo até 2050. As realizações nos Emirados até agora sugerem que existe uma base para isso, mas os próximos passos continuam pouco claros. Após uma primeira rodada de resultados variados, a seleção chinesa venceu no sábado seu primeiro mata-mata, por 2 a 1, e eliminou a Tailândia. Na próxima quinta-feira, eles enfrentam o Irã nas quartas de final. Para os chineses, há outro fator mais importante do que a conquista de bons resultados: estabelecer uma cultura futebolística que transforme torcedores em jogadores dedicados - e que esses jogadores se tornem estrelas mundiais. Novas regras para valorizar talentos locais Nas últimas décadas, vários países tentaram conter a soberania europeia no futebol. Os Estados Unidos o fizeram nos anos 1970 com as contratações de Pelé e Franz Beckenbauer; e o Japão, com a criação da sua J-League nos anos 1990. A Rússia também tentou reviver seus campeonatos no começo do milênio com a presença de estrelas internacionais - e o mesmo ocorreu com países do Golfo como o Catar e os Emirados. A China inicialmente copiou esses modelos, mas logo percebeu que investimentos pesados não geram automaticamente sustentabilidade. As somas de dinheiro canalizadas pelos clubes chineses no mercado "fizeram com que os clubes mais bem-sucedidos do mundo quase parecessem miseráveis", escreveu no semanário alemão Die Zeit o jornalista Felix Lill, que há anos acompanha o futebol do Leste Asiático. Naquele período, jogadores renomados como o argentino Carlos Tévez e os brasileiros Oscar e Alex Teixeira foram atraídos por salários anuais superiores a 20 milhões de euros. Marcello Lippi, que comandou a seleção italiana campeã da Copa de 2006, é considerado o técnico mais bem pago do mundo. Cristiano Ronaldo, por sua vez, teria recusado propostas de pagamento superiores a 100 milhões de euros anuais na China. Após uma desilusão inicial com o desenvolvimento hesitante da liga chinesa de futebol, uma mudança parece estar um curso. "Apenas quatro estrangeiros podem estar no escrete de um clube, com no máximo três entrando em campo ao mesmo tempo", afirmou Ai Ting Ting, repórter da emissora estatal chinesa CCTV. Além disso, um chinês com menos de 23 anos sempre tem que jogar. O objetivo: garantir que os jovens locais recebam orientações das principais figuras internacionais. As medidas pretendem aumentar o interesse dos torcedores locais, que até então se atraíam mais facilmente por clubes como Bayern, Liverpool e Barcelona, e também o interesse dos patrocinadores por uma superliga. Acima de tudo: a qualidade da seleção nacional pode deslanchar. Investidores usam futebol para se relacionar com políticos Mas esse empurrão final ainda não é garantido. "A Federação Chinesa de Futebol está sendo confrontada com demandas políticas e econômicas de todos os cantos", afirmou o jornalista John Duerden, que cobre o futebol asiático para a mídia britânica, como o jornal The Guardian. Assim como ocorre com a federação, muitos clubes da divisão principal são ligados a grandes empresas e corporações, especialmente do setor imobiliário. Segundo Duerden, nem sempre fica claro se os investidores estão realmente interessados em futebol. Em vez disso, eles podem estar usando os clubes para fortalecer suas redes de contatos, especialmente com figurões da máquina do Partido Comunista. E as bases? Até o momento, na China, o futebol não é considerado um meio de ascensão social. Pais com dinheiro preferem investir na educação dos filhos, e não em esporte. Em resposta a essa cultura, o futebol passou a ser promovido nas aulas de educação física. Até 2025, o governo pretende construir milhares de centros de treinamento pelo país. O clube Guangzhou Evergrande, o mais valioso do país, foi aconselhado pelo Real Madrid a criar uma das maiores academias de futebol do mundo, com mais de 50 campos para atender 3 mil jovens jogadores. A China também está estabelecendo parcerias com várias federações da América do Sul e da Europa - incluindo a alemã - para troca de técnicos, especialistas e profissionais médicos. Escretes de jogadores juvenis devem ganhar experiência com amistosos no exterior, inclusive na Alemanha, o que provocou protestos no país europeu por causa das violações de direitos humanos na China. Chineses ainda engatinham nos esportes coletivos Na Europa, a cultura do futebol cresceu em um século e meio. Com que rapidez isso está ocorrendo na China? "O nível de competição na sociedade chinesa é forte, e a ambição e a disciplina também são enfatizadas nos esportes", afirma o jornalista Tariq Panja, do New York Times. As famílias se esforçam para que seus filhos entrem nas melhores universidades. Jovens também treinam duro para conquistar medalhas de ouro nas Olímpiadas, muitas vezes em condições de treinamento militar, mas na maioria das vezes para competições individuais. Dessa forma, os chineses passaram para a elite das nações que dominam os jogos de verão. "Mas eles não conseguiram o mesmo com os esportes coletivos", diz Panja. "Para isso, é necessário uma mudança de mentalidade." A Copa de 2002 marcou a única vez em que os chineses se classificaram para o mundial de futebol. Em 2004, eles fracassaram na final da Copa da Ásia. Será que eles vão conseguir superar isso tudo após anos de estagnação? "A estrada à frente é longa", afirma o técnico Marcello Lippi, de 70 anos. Ele pretende se aposentar após o fim da copa asiática. Outros devem continuar esse trabalho de construção. ______________ A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram | Newsletter Autor: Ronny Blaschke (jps)

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