Covid-19: especialistas reforçam necessidade de continuar usando máscara de proteção

Atual momento da pandemia no País exige cautela. O uso do equipamento de proteção individual (EPI) é importante para evitar a transmissão e o surgimento de novas variantes

Com média móvel de mais de 400 óbitos diários por Covid-19 no Brasil, municípios têm anunciado o fim da obrigatoriedade do uso de máscara de proteção. Especialistas ouvidos pelo O POVO apontam que o momento não é adequado para a mudança.

A primeira cidade a flexibilizar a medida foi Duque de Caxias (RJ), em decreto publicado pelo prefeito Washington Reis (MDB) na última terça-feira, 5. No dia seguinte, 6, Ítalo Brito (PP), prefeito de Nova Olinda, no Cariri cearense, retirou a obrigação do uso de máscaras contra a Covid-19 em espaços públicos.

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Em Nova Olinda, o decreto foi revogado na quinta-feira, 7, após recomendação do Ministério Público do Ceará (MPCE). No caso dos dois municípios, quando a flexibilização do uso de máscara foi anunciada, as prefeituras destacaram a quantidade de pessoas vacinadas contra a Covid-19.

Principalmente por essa vinculação com a cobertura vacinal, o analista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, considera a decisão precoce. "Não faz sentido porque o que importa é o nível de vírus que está circulante na comunidade", explica.

Ele destaca a importância da realização de testes para detecção da Covid-19 e de se conhecer a taxa de positividade dos exames — quantidade de teste positivo dividido pelo total de testes realizados.

"Nós ainda não temos no Brasil um programa de testagem. Não temos a oferta de testes acessíveis, baratos, para quem quer comprar. Esses testes de antígeno, em que a pessoa sabe em 15 minutos se está infectada ou não, como outros países estão fazendo", aponta a enfermeira e epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Para a professora, manter o uso de máscaras é importante para evitar a transmissão do vírus e a oportunidade de ele desenvolver mutações que deem origem a novas variantes. "É um momento de cautela para a gente aprender com os nossos erros e com os erros dos outros países".

O epidemiologista Luciano Pamplona, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) aponta que o percentual de vacinados contra a Covid-19 deverá ser um dos indicadores utilizados para a tomada de decisão, mas não o único. Ele cita a ocorrência de escape vacinal.

A antropóloga Beatriz Klimeck, mestre e doutoranda em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), aponta que é necessário ter uma taxa de transmissão mais baixa para se decidir sobre a desobrigação do uso da máscara. E, pela mobilidade entre interior e capital, essa taxa precisa ser pensada para o estado.

"Cada estado (deve) avaliar não o número de mortes ou o número de casos graves — isso não deveria de maneira nenhuma balizar a retirada de máscara. O que deveria se levar em conta é qual o risco de se entrar em um ambiente fechado e se contaminar, e isso a gente calcula a partir da taxa de transmissão", explica.

Locais abertos vs. locais fechados

Decisões importantes "certamente" devem ser enfrentadas por gestores nos próximos meses, afirma o epidemiologista Luciano Pamplona. De acordo com ele, não há uma fórmula definitiva que aponte o melhor cenário e o momento mais adequado. "Entretanto, nesse momento, em que ainda não temos mais de 70% da população (vacinada) e circulação de novas cepas, não me parece razoável baixar a guarda", afirma.

Enquanto em Nova Olinda (CE), o decreto municipal falava em desobrigar o uso de máscaras em locais abertos; em Duque de Caxias (RJ), a decisão foi referente tanto a locais abertos quanto a locais fechados. Na capital do Rio de Janeiro, a prefeitura prevê flexibilização do uso de máscaras a partir de 15 de outubro. Um mês depois, a previsão é manter o uso de máscaras apenas em ambientes hospitalares e no transporte público.

Luciano Pamplona destaca que um aspecto importante seria diferenciar locais abertos e fechados. "Claro que, em um ambiente aberto a chance de transmissão diminui muito, mas infelizmente o que temos visto é que a flexibilização não é entendida por todos e liberar em algum ambiente acaba gerando a sensação de já passou."

Para Beatriz Klimeck, que mantém o perfil @qualmascara, no Twitter, hoje existe a necessidade de se manter o uso da máscara "especialmente" em locais fechados, onde há mais concentração de aerossóis e onde eles não se dispersam no ar. É neles onde a "esmagadora maioria do número de contágios acontece" e, para ela, desobrigar o uso nesses ambientes é um erro.

Em ambientes abertos e sem aglomeração, no "caminhar do dia a dia", ela explica que o contágio não é impossível, mas é mais difícil, uma vez que as partículas de aerossóis dispersam-se no ar. "Temos que pensar, no meu entendimento, que mensagem isso envia para a população. E o fim da obrigatoriedade no espaço aberto pode levar — e isso é uma discussão internacional — a um entendimento de ainda mais afrouxamento", pondera.

"Até poderíamos pensar em retirar a obrigatoriedade do uso em ambientes abertos e sem aglomeração. Mas na prática essa medida fica difícil de ser implementada", corrobora o epidemiologista Luciano Pamplona.

No Ceará, a Secretária da Saúde do Ceará (Sesa) informou que "nenhuma flexibilização referente ao não uso de máscaras de proteção é cogitada no momento, tendo em vista não haver contexto sanitário favorável no Estado".

Nesta sexta-feira, 8, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) publicou nota em que apelou a todos os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) para que mantenham o uso da máscara de caráter obrigatório, nos moldes atuais.

"O momento ainda exige cautela e prudência. Outros interesses que não os da proteção da população não podem se sobrepor à salvaguarda de nosso mais importante patrimônio: a vida e a saúde de todos os brasileiros", defendeu o conselho.

Atual cenário da pandemia de Covid-19

Isaac Schrarstzhaupt acrescenta que, desde meados de setembro, começou a ser percebida uma estabilização dos dados da pandemia. É como se o País tivesse chegado a um "novo piso" de casos e óbitos. Se os números estavam caindo e passou a haver uma desaceleração, isso significa que a transmissão está sendo amplificada, explica Isaac. "Só que o vírus está tendo muita dificuldade, porque a gente está vacinando cada vez mais."

Nesse contexto, ele faz uma analogia com um cabo de guerra. "De um lado tem a vacina e do outro, o vírus. A gente pode ajudar a vacina, se ficar do lado dela e ajudá-la no cabo de guerra — com máscara, distanciamento, ventilação e ar livre — ou a gente pode ajudar o vírus e, do lado dele, começar a puxar o cabo, se começar a flexibilizar, tirar máscaras e fazer tudo que amplifica a transmissão. A gente tem que cuidar para não jogar sem querer do lado do vírus. Tem que jogar do lado da vacina."

Segundo a professora Ethel Maciel, o Brasil está atualmente em um momento da pandemia de "muita cautela" em relação à interpretação dos indicadores. "Em Epidemiologia, a palavra 'controle' tem uma definição, e nós não estamos no controle. Se você tem uma pandemia, você não está com a situação da doença controlada. Ela só chega ao controle quando deixa de ser pandemia ou epidemia e passa a ser endemia, quando você tem número de casos e de óbitos muito baixos", explica.

Dessa forma, aponta que a pandemia segue descontrolada e que não adianta haver bons indicadores em um país ou em uma cidade apenas, uma vez que variantes com origens em outras partes do mundo colocam em risco estratégias de todos os locais.

"Essa definição de pandemia e essa ideia de que estamos conectados, de que há uma interdependência entre municípios, estados e países precisam ficar estabelecidas para as pessoas, porque muitas vezes estamos vendo essa disputa entre os estados de quem vai vacinar mais, quem vai baixando a faixa etária, quem vai tirar a máscara primeiro… Uma ideia de que, se eu controlar no meu quintal, está tudo bem. Mas esse é um conceito inverso ao da pandemia", afirma. (Colaborou Gabriela Almeida / Especial para O POVO / Com informações da Agência Brasil)

 

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