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Para o filósofo tunisiano Youssef Seddik, a pandemia marcará um retorno à espiritualidade

"Talvez estejamos no momento de inaugurar um novo pensamento, um pouco como o que aconteceu entre a Idade Média e a Era Moderna", diz Seddik
11:08 | Mai. 23, 2020
Autor AFP
Tipo Notícia

Confinado em Tunis, na Tunísia, o filósofo e antropólogo Youssef Seddik adora desvendar o significado das palavras e, com elas, o mundo. Na sua opinião, a pandemia de coronavírus é o prelúdio de um retorno à espiritualidade.

 

Pergunta: Que mudanças essa pandemia nos traz?

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Resposta: A pandemia me mudou ao refletir sobre as palavras, as frases feitas que acreditávamos serem automáticas. Por exemplo: matar o tempo. O que é um tempo morto? Um tempo morto não é positivo. O confinamento deve mudar nossos automatismos da linguagem e nos forçar a refletir melhor, a não confiar nas evidências e nas fórmulas típicas.

Talvez estejamos no momento de inaugurar um novo pensamento, um pouco como o que aconteceu entre a Idade Média e a Era Moderna. Um pensamento que se levantará talvez contra o imperialismo da técnica, do lucro, do benefício e da acumulação de riqueza por um pequeno número de pessoas.

Estamos cansados do nosso tempo que levou a duas guerras. Até hoje, vivemos nas sobras dessa época, da divisão do mundo em países ricos, em desenvolvimento e ex-colônias. Isso marcou negativamente a humanidade. Está na hora, depois dessa pandemia, de mudarmos completamente nosso software.

 

P: Como essa crise afeta nossa espiritualidade, particularmente no mundo muçulmano?

R: Encontrei algo em comum em todos os países que sofrem com a pandemia: a relação com a morte. Cidadãos de todos os países e até jovens, crianças, têm mais humildade na hora de dizer que estão vivos e mais coragem para encarar a morte.

Para o Islã, os quatro pilares culturais (Ramadã, peregrinação, caridade e oração) tornaram-se mais individuais, estão confinados dentro da pessoa. Isso é muito importante porque, durante muito tempo em nossos países muçulmanos, a dimensão coletiva e cultural se impôs sobre a dimensão contemplativa do indivíduo.

Será ótimo se isso continuar. Isso ajudará as sociedades islâmicas a se livrarem de tudo que é gregário, o que eu chamo de crença do rebanho. Aquilo que é facilmente manipulado por um líder, uma autoridade religiosa ou uma ideologia, seja o que for. Eu acredito que, para o Islã, isso anuncia um futuro amplo e uma maneira de pensar sobre o Islã que muitos pensadores, obras e criações desde o início do século passado não foram capazes de abalar.

Hoje, com a proibição por razões higiênicas e sanitárias da maioria das práticas coletivas, acho que as pessoas vão refletir sobre essa verdade esquecida de que o relacionamento deve ser direto e sem mediação entre o divino e o indivíduo.

 

P: Que soluções você propõe para o mundo vindouro?

R: Primeiro, lutar contra a tendência das pessoas de acumular dinheiro para nada e luxos que servem apenas a um pequeno número de pessoas.

Talvez seja necessário educar as pessoas, educar nossos filhos desde o jardim de infância, da verdade de que um prazer solitário é exatamente isso e que se multiplica quando compartilhado.

Seria necessário rever toda a pedagogia da convivência e sociabilidade.

Se queremos que o homem lidere o futuro de maneira positiva, seria aconselhável que o ensino mudasse completamente. Que ensinamos as pessoas a não decifrar o alfabeto ou analisar um texto, mas a ler o mundo. Quando lemos o mundo, percebemos que o alfabeto mais bem-sucedido é o próprio ser humano.


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