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Se o decreto de isolamento tivesse esperado mais dois dias, Ceará teria o dobro de casos de Covid-19

A conclusão é do gerente de Vigilância Epidemiológica de Fortaleza, Antônio Lima, com base em gráfico elaborado pelo Departamento de Física da UFC em parceria com o Município
13:31 | Abr. 10, 2020
Autor Ismia Kariny
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Ismia Kariny Estagiária O POVO online
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Tipo Notícia

Gráfico elaborado pelo Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) em parceria em colaboração com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) e Vigilância Epidemiológica de Fortaleza mostra que isolamento social está conseguindo frear a tendência de crescimento do número de casos de Covid-19 no Ceará. De acordo com o gerente da Vigilância Epidemiológica de Fortaleza, Antonio Lima, se a medida tivesse sido executada dois dias antes, casos registrados seriam o dobro dos atuais. No Ceará, já são 1.478 casos confirmados e 58 mortes pela doença. 

Em entrevista à rádio O POVO/CBN, Antônio Lima comenta as ações de combate à doença e repercute os dados apontados pelo gráfico de crescimento exponencial da pandemia de Covid-19.

O POVO - Nós estamos vendo uma grande explosão no número de casos no Estado do Ceará. Esses números estariam bem mais graves sem as medidas de isolamento?

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Antonio Lima - Esses dados foram um cálculo elaborado pelo Departamento de Física da UFC em parceria com nossa equipe da vigilância epidemiológica de Fortaleza e também com a própria secretaria de Saúde do Estado. Ele mostra que caso a medida não tivesse sido tomada de maneira precoce, em dois dias antes do decreto o Ceará estaria se encaminhando para o dobro do número de casos. Isso se expandiria com uma velocidade imprevisível, porque teria circulação viral completamente livre no Estado. Não haveria essa concentração [localizada] que existe hoje, com um grande número de casos nas regiões centrais de Fortaleza. Enquanto as regiões mais periféricas e os demais municípios, que estão entrando nessa situação agora, já estariam com casos registrados há mais de uma semana.

OP - Qual é o nível de confiança desses dados do gráfico e em quê eles são baseados?

Antonio - Os dados mencionados se referem a casos confirmados, que tenham testado positivo obrigatoriamente. A maioria deles foi realizada pelo Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen), em um teste que faz pesquisa do próprio vírus. Ou seja, a validade do teste é muito alta. O fato da gente ter um número disparadamente maior de casos no Nordeste, deve-se em parte a uma maior testagem que tem sido feita no Ceará, em comparação com provavelmente a maioria dos Estados. Isso captura também que temos uma circulação viral significativa, e mesmo com a nossa subnotificação, o pressuposto é que teríamos uma explosão maior sem as medidas de isolamento precoce. Porém, é evidente que a gente precisa e deveria testar muito mais, mas ainda há limitação dos insumos.

OP - Você mencionou um dado muito importante: se o decreto do governador fosse publicado dois dias depois, a gente poderia ter o dobro de casos. Nessa análise, como é a comparação com países como Espanha e a Itália? Vocês analisam que esses países tomaram medidas tarde demais e isso explicaria, portanto, o número muito alto de casos nesses países?

Antonio - Essa questão do retardo na adoção de medidas de isolamento por país, sobretudo na Europa Ocidental, pode estar muito envolvida primeiro na onda de evidência, que o pico poderia ser maior do que deveria, e também no número de mortes e casos graves. Em geral, se são produzidos muitos casos ao mesmo tempo, o sistema de saúde colapsa. Então há uma maior dificuldade de atender a todos os pacientes, com menor número de leitos de UTI, e isso tende a aumentar a taxa de mortalidade. Isso aconteceu também nos Estados Unidos, que além da política negacionista inicial do presidente americano, teve muito pouca testagem. Quando eles começaram a testar, já atingiram um pico incrível em algumas cidades, como é o caso de Nova Iorque, Nova Orleans, e outros.

OP - De que forma esse cenário poderia ser observado em Fortaleza e no Ceará?

Antonio - Se você analisar Fortaleza, por exemplo, a Cidade não está cumprindo o isolamento de maneira homogênea. Existem bairros em que o cumprimento é muito maior que em outros, até de maneira compreensível. Porque a percepção de risco varia muito. Então, nas áreas centrais, que já apresentam mais casos, o cumprimento do isolamento é muito maior, em comparação com alguns bairros periféricos onde a população ainda não tem a sensação do risco tão iminente, embora já tenha casos graves e até óbitos.

OP - No Ceará ainda temos registros de filas e aglomeração de pessoas, mesmo com o decreto do governador e a expansão do número de casos confirmados no Ceará. Você acredita que haverá necessidade de se tomar medidas mais rigorosas para reforçar o distanciamento social?

Antonio - Pode haver uma linha como a que do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adotou ontem, de aplicar multas e imposição para que o paciente volte para casa, isso é uma questão. Mas nesse momento, falando como um pesquisador que participa das decisões, eu acredito que a gente precisa mesmo de uma conscientização e uma aproximação do poder público, com as pessoas que estão circulando na Cidade, em esquema de ronda, por exemplo. Não se trata necessariamente de restringir juridicamente, aumentando a restrição por decreto. Cabe a nós, poder público, estarmos mais presentes e tentar induzir esse isolamento com mais intensidade, nos lugares que a gente tem notado que não está sendo cumprido.

OP - Com esses dados, é possível saber quantas vidas foram salvas por causa do isolamento, e quantas ainda podem ser salvar se as medidas forem mantidas ou até mesmo ficarem mais rigorosas?

Antonio - A questão das mortes normalmente é outro modelo. Mas, de toda maneira, você seguiria o mesmo padrão. Em dez dias, poderíamos ter evitado mais ou menos 10 a 20 mortes, naquela ocasião que estávamos nos aproximando dos 40 óbitos. De toda maneira, a perspectiva agora é de que Fortaleza seja a primeira a alcançar o pico no Brasil. E a partir do momento que a gente atingir o pico, com as medidas de isolamento mantidas até o dia 20 de abril, é muito provável que a gente tenha a prevenção de casos graves e mortes significativas no Estado.

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