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O preço da chuva lá em nós

02:00 | 05/04/2019

Dona Tatá, matuta braba do sítio Porca Magra, ganhou passagem pro Rio de Janeiro, presente de uma filha bem de vida. Passagem em mão, pediu ao marido "uns cento e vinte conto pra gastar na Copacabana". Sanoca, o dito cujo, arrumou a grana com relativa alegria (tinha uma quenga no Alto do Bode e estava doido que a mulher fosse passar uns cinco anos fora).

Passaram-se três dias de Cidade Maravilhosa e lá dona Tatá telefona, perturbando por mais uma coisinha. Quase chorando...

- San, querido, mande urgentemente mais uns 300 ou 400 conto!

- Diabeisso, Tatá? Tá pensando que meu dinheiro é fôia de pau?

- Não, San! É que aqui chove muito e eu preciso dumas roupas de gabarito pra chuva! Entendeu?

Sanoca, mão de bebê, deu uma de ministro:

- Faça o seguinte, mulher, volte pro Ceará que a chuva aqui é mais barata!

Sertão Central do Ceará, século XIX

Três longos anos consecutivos de seca, torando esperanças. Até pra cuspir faltava matéria-prima. Quem chorasse, o outro bebia a lágrima. E sabendo-se que naquele tempo não havia ar condicionado, ventilador, refrigerador... Quem dali saísse pro inferno, só estranharia a comida.

Quisesse saber quão brabo era a estiagem a que nos referimos, fosse ter com o sempre despachado padre Raimundo, na Pirapora. Ele mesmo que naquele dia (passava do meio dia) recebia na casa paroquial vazia de gente ninguém menos que o gaiato João Neném, matuto qualificado, logo a disparar queixa:

- Tem lá cristão que aguente, seu padre! Mulesta de calor esse, né?

- É... Nunca dantes algo assim, meu filho.

- O purgatório é menos abafado, e já tem até linha de ônibus pra lá.

Olhando prum lado e outro, sem divisar um pé de pessoa - e percebendo a paisagem catingueira entristecida ao derredor, o visitante acha de fazer infeliz comparação entre a falta de chuva, a figura do religioso com que conversava e o "mamífero da família dos equídeos (Equus asinus), de origem africana, presente em todo o mundo por ser facilmente domesticável"...

- Numa seca dessas, só escapa padre e jumento!

A resposta do sacerdote não poderia ser mais ecumênica:

- E tu por acaso é padre, João Neném?

Arre água!!!

Tempo de chuva e água abunda - nos "cóigo", lagoas e açudes do sertão, estamos todos "cansos" de saber. No estio, calango pede penico, mêi palmo de língua pra fora, esturricado de sede. Ninguém sabe é que na seca medonha dona Raimunda se lasca de ganhar dinheiro, justo vendendo água ao povo da redondeza. Diz ela que é natural a água que "nigucia".

A partir de outubro começa encher os bolsos; vende do copinho de duas terças (existe?) ao garrafão de 60 litros (existe também?). Mas, por que apenas ela comercializa tanto o produto? Se compararmos as vendas de Raimunda às de seu Menelau, do mesmo ramo, a distância de faturamento é jumentalar.

Olhando a olho nu, os líquidos são da mesma cor e consistência; vizinhos os pontos de um e outro; o apetite pela bebida é o mesmo para todos. Seriam os nomes dos estabelecimentos? O dela: "RAIMUNDÁGUA". O dele: "ARRE ÁGUA!!!"

Bem, quando a mulher conta que vende mais que o concorrente por ser a água dela "natural" (garrafão tampado com sabugo), conclui-se que o diferencial da água da Raimunda, caseira, intimista e com a corda toda, está na fonte. Fonte Cacimbão!

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