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Enfim, prioridade

10:08 | 04/03/2019

No próximo dia 8, na agradável companhia das mulheres de todo o mundo, que nesta data são também festejadas, inteiro 60 primaveras. Já lá se vão seis décadas entre o primeiro choro no Hospital Felício Rocho, na querida Belo Horizonte, e os balcões da Embaixada, do Nonato e do Raimundo do Queijo. Entre estas balizas, a Base Aérea de Fortaleza, onde conheci o mundo, o Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, onde fui maternalmente alfabetizado, o Colégio Cearense, minha formação de vida, a Escola de Arquitetura da UFC, minha base profissional, o IAB e o Iphan, grandes amores, minha mulher e minhas filhas, minhas paixões, meu pai e minha mãe, meu irmão, minha tia, minha família, meus amigos. Quando a luz se for, será esse o meu patrimônio.

Se o Cláudio Pereira ainda estivesse por aqui, tão pisciano quanto eu, já deveria estar cuidando dos preparativos do aniversário de mês inteiro que nós costumávamos comemorar numa fieira de botequins da cidade. Apesar de ser ainda um broto (quer dizer, eu acho), pegar tranquilamente na chave e não precisar de qualquer empurrão para seguir em frente, sinto que a máquina já não é assim mais tão mortífera, o que significa que as libações e as comilanças ficarão restritas ao essencial. Com o passar do tempo, altera-se a consideração que as pessoas têm por nós: no passado, além de meias (miseráveis!), recebia nos natalícios livros, CDs e DVDs às pencas. Hoje só dá garrafa. Quem sabe se lá na frente, se frente houver, irei receber bengala de presente? Melhor não.

É o Estatuto do Idoso que diz: é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso (ou dosa, como diria, viçando, o Manezinho do Bispo), este jovem de idade igual ou superior a 60 anos, prioritariamente, o pleno gozo (ui!) de todos os direitos fundamentais que são inerentes à pessoa humana, para tanto garantindo-lhe todas as oportunidades e facilidades. Portanto, caixas rápidos, assentos confortáveis, filas em geral, descontos e cortesias, me aguardem, que agora sou prioridade. Falando nisto, vou já tirar a carteirinha de velho para fazer jus a estas minhas novíssimas garantias. Vou aprender a jogar gamão, frequentar os bancos da Praça do Ferreira e aguardar a chegada dos netos. Aposentadoria, qual nada...

Passarei a ser o benjamim de uma turma da pesada, composta pelo Véi Aírton, o Campelo, o Linheiro e o Fernando Peixoto, entre outros queridos macróbios. Uma certeza: dobrar o Cabo da Boa Esperança nesta Loura Debochada do Sol, cidade que não respeita o passado, é beijar uma mamba negra. Assistir no cotidiano à contínua destruição, sem substituição decente, de tudo aquilo que se considera como belo, bom e justo é um calvário dos grandes. Contudo, ter sido esfregado na casca do alho pode ser de bom uso agora, quando a vida já não solta tanto a sua frouxa gargalhada. “Na juventude deve-se acumular o saber; na velhice, fazer uso dele”, avisa-nos Rousseau. Vida que segue, o jeito é seguir. Existe ainda, espero, um bom pedaço de caminho. Que eu o mereça.

Romeu Duarte