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O ódio que mata: como lidar com esse desafio

02:00 | 18/03/2019

Muito tem sido dito e escrito sobre as causas que levam jovens e adolescentes do sexo masculino a cometer assassinatos em massa. É preciso, passados os momentos iniciais de choque e pavor, analisar o fenômeno com a serenidade e a profundidade necessárias. Seguem algumas contribuições da coluna para a ampliação do debate:

A ferramenta não é a culpada. Os jogos eletrônicos e fóruns de internet costumam ser os primeiros a serem responsabilizados quando uma tragédia como essa ocorre. Não há evidências cientificas, contudo, que jogar videogame transforme a pessoa em um assassino, assim como a deep web não é a grande vilã. Tratam-se de ferramentas cujo uso é conferido pelos sujeitos. O assassino da Nova Zelândia se valeu do Facebook para dar publicidade ao seu ato. Vamos criminalizar as redes sociais? Ensinar a usar essas tecnologias com maior responsabilidade e investir em inteligência parecem ser alternativas mais razoáveis.

A frustração é o grande motor. Em sua maioria, os atiradores se sentem incapazes de fazer parte de uma sociedade dividida entre "vencedores" e "perdedores". Baixa estima, desprezo por si mesmo e pelos outros são sentimentos comuns que acabam sendo manipulados por pessoas mais experientes. A atitude-padrão varia da segregação à exposição ao ridículo de quem não consegue se adequar ao que definimos como "normal". Mais que nunca, precisamos criar espaços de escuta e de acolhida para lidar com quem se sente assim. Prevenir para depois não remediar.

A misoginia precisa ser combatida. O atirador de Realengo, no Rio de Janeiro, disse que seus alvos preferenciais eram mulheres. Nos EUA, jovens que não conseguem estabelecer relacionamentos amorosos canalizam suas frustrações em atos de violência contra as meninas, como se elas fossem culpadas por essa situação. É preciso que os meninos sejam educados a se tornar parceiros das meninas nessa nova realidade em que os papéis sociais estão se tornando mais igualitários. Não podemos admitir que adolescentes e jovens do sexo feminino sejam assassinadas como se fossem meros objetos da perversão alheia.

Quanto mais armas, mais mortes. Há duas escolhas para governantes e parlamentares: adotar e reforçar políticas que preservem vidas humanas ou atender os interesses da bancada da bala. Achar que professores e empregados devem andar armados como forma de dar mais segurança às escolas é um disparate que só beneficiará aqueles que lucram com o negócio das armas. Após a chacina de 49 pessoas na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, a primeira-ministra anunciou que defenderá a proibição da venda de armas semiautomáticas (que permitem maior quantidade de disparos em menor tempo). Estamos falando de um país de 4,7 milhões de habitantes que em todo o ano de 2017 registrou apenas 35 homicídios. Imagine as consequências de uma liberação total das armas em uma sociedade na qual 35 pessoas são assassinadas a cada seis horas.

Redes criminosas alimentam os ataques. Não raro por trás dos atiradores há grupos organizados de pedófilos, neonazistas e traficantes de armas que se beneficiam dos atentados ao utilizá-los como instrumento de promoção de seus ideais. O criador do fórum em que os jovens de Suzano trocavam mensagem foi preso ano passado por perseguição a mulheres e disseminação de conteúdo de ódio (misógino, homofóbico e racista) na internet. Amparada pela Lei 13.642/2018, conhecida como "Lei Lola", a Polícia Federal vem realizando operações no sentido de coibir tais práticas. O nome é uma referência a Lola Aronovich, professora universitária que, durante cinco anos, foi ameaçada por tais grupos.

A violência não pode ser glamourizada. Os meios de comunicação e a indústria do entretenimento precisam mudar sua abordagem em relação aos atentados. Passou da hora de darmos publicidade gratuita ou romantizar esse tipo de prática. O foco das atenções deve estar no sofrimento das vítimas e não em quem atira. Os ataques cometidos em Suzano, Realengo e Christchurch são atos covardes cometidos contra vítimas inocentes e devem ser tratados como tais. Disparar uma arma a esmo ferindo e matando pessoas tem de ser vista como uma atitude estúpida e não como algo valoroso.

Há diversos protocolos sobre como abordar esse tipo de acontecimento de forma a neutralizar o efeito de imitação que ele gera. Em um dos fóruns usados para troca desse tipo de mensagem ao qual a coluna teve acesso, um usuário escreve abaixo da imagem de um dos atiradores de Suzano: "Atenção, 2020 serei o próximo. Preciso de ajuda". Como se vê, esse pesadelo ainda está longe de terminar. Devemos estar preparados.

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