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O ideal de imparcialidade

00:00 | 14/07/2019

Tudo, dentro do processo da comunicação, tem uma intenção. Assim, sempre que falamos em "imparcialidade", é preciso abordar o assunto com cautela. Não há textos imparciais, porque são escritos por pessoas, que têm suas opiniões, sentimentos, ideias e desejam transmitir uma mensagem. Desde a escolha lexical até o estilo com que se produz um texto, tudo é influenciado pela história de vida de quem escreve. O diferencial, em alguns casos, é como esse ideal de imparcialidade é desenvolvido nos veículos jornalísticos.

Há espaço para expressão das opiniões, por mais que o ponto de vista incomode por vezes o público. Recebo frequentemente queixas de leitores reclamando de um e outro jornalista do O POVO, devido às opiniões manifestadas em seus artigos e colunas. Em muitos casos, não se pode mudar uma opinião, mas, em outros tantos, é possível refutar esses julgamentos.

É certo também que, quando um jornalista do O POVO manifesta suas convicções nas páginas e mídias do jornal, há uma tendência de repercussão maior do que de um articulista que não tenha tanta visibilidade no veículo - o que é válido dada a experiência do jornalista, sua formação e capacidade técnica de analisar a situação.

O que não deve existir é a concentração de um dos lados de um mesmo tema. Quando o jornal opta por publicar constantemente apenas opiniões de um mesmo lado ou insiste em veicular pontos de vista que privilegiem um dos envolvidos na história, temos um desequilíbrio, e o ideal de imparcialidade se esvai.

Intenção

Desse modo, não há problema algum no fato de os jornalistas manifestarem seus posicionamentos nos espaços apropriados para isso - desde que se responsabilizem pelo que escrevem. Artigos, colunas e pontos de vista existem exatamente para essa finalidade. O que não deve haver é uma intencionalidade velada, é escrever tentando fazer o leitor acreditar numa pretensa neutralidade, que, como sabemos, não existe, a despeito do que ditam alguns manuais de jornalismo. Fingir que não há um propósito para aquilo, sim, é desonesto.

Tentar, em notícias e reportagens, por exemplo (que são textos objetivos), apresentar ao público apenas um dos pontos de vista envolvidos ou se oferecer como o portador da verdade não são opções nestes casos. Os jornalistas somos seres com opiniões, que temos uma prática discursiva eivada de subjetividade. Os leitores só precisam ser informados quando ela existir e estiver demarcada.

Se o leitor gosta ou não daquela opinião, se o leitor concorda ou não com aquele parecer escrito pelo autor, cabe a ele também se manifestar, escrevendo para o autor ou sugerindo um artigo, por exemplo. É legítimo do pensamento crítico e democrático. A discussão para a qual devemos atentar é quanto à seleção das opiniões apresentadas, à quantidade de uma opinião concentrada em um mesmo período e à hierarquização desse material nas páginas impressas e virtuais dos veículos.

Como o jornal está lidando com todo esse material que publica? Está realmente oferecendo ao leitor uma diversidade de opiniões? Tem publicado as opiniões divergentes no mesmo espaço e com o mesmo destaque? Contribui, dessa forma, para a formação crítica do público, ajuda na construção da opinião e reforça a capacidade de diálogo com o leitor.

Não escrevemos tão somente para um grupo específico. Também é função do jornalismo dar voz, mostrar olhares múltiplos e se esquivar sempre do vício de um único caminho possível. Um olhar viciado nunca contribui para o debate.

Copa Feminina

A Copa Feminina de Futebol, encerrada no domingo passado, foi histórica também para a imprensa. Transmitida pela TV, ganhou capas de jornal e destaques nos portais de notícia. No O POVO, em duas vezes foi manchete do impresso. Houve cobertura nas páginas de Esporte, que já privilegia muito o futebol masculino, em detrimento das demais modalidades. Os aprendizados da Copa também foram pauta de matéria no jornal.

É relevante que a imprensa intensifique as atenções no assunto, ampliando os temas envolvidos. É igualdade de gênero, é visibilidade do esporte, é mulher jogando e cobrindo esportes. É futebol feminino também, mas não só.

Daniela Nogueira