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O Jornalismo no "Caso Neymar"

00:00 | 09/06/2019

As notícias envolvendo acusação de estupro, agressão e um dos jogadores brasileiros mais bem pagos do mundo inundaram a internet e os noticiários de todas as plataformas do mundo nos últimos dias. O "Caso Neymar" ganhou até aba especial em alguns sites jornalísticos tamanha tem sido a repercussão desde a divulgação que a mulher que o acusa fez um boletim de ocorrência relatando estupro e agressão. No O POVO, o assunto tem estado na capa do jornal, no portal e nas redes sociais. Por que estamos dando tanto destaque a um caso dentre tantos no País? Enfatizamos o tema porque o "menino Ney" rende cliques e gera repercussão ou porque realmente estamos interessados em discutir seriamente as temáticas abordadas no caso?

Desde o fim de semana passado, O POVO - assim como muitos veículos Ceará adentro e Brasil afora - tem coberto as informações relativas ao episódio e seus desdobramentos. Isso inclui a sequência dos vídeos, fotos íntimas e das conversas divulgadas, a troca de advogados, a perda de patrocínio por parte do jogador, os exames aos quais a mulher se submeteu e outros detalhes relativos aos depoimentos dos dois. No jornal impresso, tem havido a cobertura dos eventos, em textos menores. Na terça-feira, uma chamada na capa focava na "reação dos patrocinadores", que se mostravam "atentos ao caso". Na quarta, uma matéria maior destrinchou o caso.

É claro que, pela fama do jogador e pela gravidade da acusação, já se poderia supor a repercussão de uma situação dessas. No entanto, é preciso discutir a qualidade do que estamos informando. O "Caso Neymar" parece ter conseguido ofuscar notícias de interesse político, econômico e social do País na última semana a ponto de telejornais nacionais reservarem minutos preciosos da TV para lerem as mensagens trocadas pelo jogador e a mulher que o acusa.

 

Debates

Os jornais estão noticiando o caso, um assunto não relacionado diretamente ao futebol, nas páginas de esporte. As pessoas, juízas dos tribunais da internet que sempre pululam em situações do tipo, estão confundindo o que é estupro. Os curiosos, que somos, estão ansiosos e desesperados em conseguir os mais recentes trechos dos vídeos e das conversas entre os dois para saciar uma indiscreta bisbilhotice desmedida. E, sim, ainda há quem encontre motivos para gerar inconvenientes piadinhas sobre o assunto.

E quanto ao jornalismo? Qual é a nossa responsabilidade social no meio disso tudo? Se as redes sociais contribuem para o acirramento dessas angústias e intromissões, a nossa função é de mediar esses conflitos e não esquecer que nosso papel é formar e informar. Se é impossível fugir da divulgação das notícias que envolvem o jogador e um contexto tão delicado, que saibamos cuidar das informações com respeito. Divulgar todo e qualquer evento relativo ao "Caso Neymar" tão somente visando ao número de cliques, ao engajamento gerado pela audiência ou ao número de visitações à página vai de encontro ao que se espera de um jornalismo comprometido com a informação, a verdade e a formação de seu público.

De acordo com a Decode Research, que analisa os dados virtuais, em uma semana, mais de 90 milhões de pessoas foram alcançadas com o assunto e as menções relacionadas a "Neymar" aumentaram em 782%. Com tantos olhares, ouvidos e digitais voltados para o caso, é hora de aproveitarmos o momento, como o Jornalismo deveria se valer tão bem, e desenvolver a discussão em torno de matérias que informem. O que, afinal, caracteriza o estupro? Como definir o crime de divulgação de fotos íntimas? O que se deve fazer nesses casos?

Neymar gera audiência por vários motivos. Tem um alcance - também publicitário - enorme e vive sendo desejado por times grandiosos. Do cabelo à namorada, tudo chama atenção quando envolve seu nome. Há um apelo em torno de sua figura por ser de origem humilde, ter um instituto ligado às causas sociais e ser popular e carismático. Há muita defesa a ele nas redes sociais. E consequentemente ataques à mulher que o acusa, por razões diversas e pelas evidências que os juízes da internet já identificaram. O Jornalismo não pode se render a isso.

Vivemos em um país em que a culpabilidade sobre a vítima é constante, principalmente quando a vítima é mulher. Cristalizar certos estereótipos, reforçar preconceitos e julgar antes da Justiça são coisas que não cabem a nós, jornalistas, em notícias. Nem devemos estimular isso em títulos espetaculosos ou matérias apelativas e sensacionalistas. Deixemos isso para o mundo descontrolado das redes sociais. A Justiça e seus acusadores farão a parte que a eles cabe.

Daniela Nogueira