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Jornalismo ou O POVO contra Bolsonaro?

02:00 | 31/03/2019

Há um incômodo, por parte de leitores do O POVO, sobre a cobertura que o jornal tem feito acerca dos fatos que envolvem o Governo Federal e, consequentemente, o presidente Jair Bolsonaro. Segundo alegam, o jornal estaria agindo de modo parcial, ao focar na publicação de fatos negativos relacionados à administração, o que causaria prejuízo à credibilidade do veículo.

Citam a série de desentendimentos entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, presidente da Câmara, assunto frequente nas páginas de Política. Mencionam a cadeia de episódios que envolvem os ministérios - especialmente o da Educação, um imbróglio preocupante para o País. Comentam sobre as páginas "Frases", publicadas aos domingos no jornal, que, frequentemente, trazem reproduções de falas dos personagens políticos. "Só frase ruim e contra o Governo", indicou um, há alguns dias. E apontam colunas, artigos e espaços de opinião que são utilizados, de acordo com os leitores, "de modo apaixonado".

Vladimir Spinelli, um deles, observa: "Há uma intensidade maior sobre os 'malfeitos'. Claro que o presidente e alguns ministros colaboram sobremaneira com isso. Mas me pergunto: não há mesmo pontos positivos? Os ministros não lembrados estão trabalhando? Ou só os 'desastrados'?"

Já recebi mensagem em que o leitor afirmava que o jornal havia se deixado controlar "por uma ideologia". "Vocês estão com um sentimento de ódio pelo presidente. Isso está explícito nas páginas do jornal", escreveu outro. Também chegou a mim uma mensagem em que um leitor acusa o jornal de criticar "mentiras induzidas à gestão Bolsonaro" e de "não conseguir absorver uma nova ordem política".

Boas-Novas?

Acerca disso, conversei com o cientista político Valmir Lopes. "O que poderia ser apresentado pelos jornais como pauta positiva do novo governo? Não há. Seria interessante que o governo apresentasse suas boas-novas. Eu tenho uma percepção clara de que o governo não começou ainda", analisa Valmir, que é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC-CE).

Membro do Conselho de Leitores do O POVO, professor Eudes Moreira diz que não consegue detectar, a partir das matérias, um posicionamento do O POVO, diferentemente do que tem ocorrido em outros veículos Brasil afora, acerca de certas declarações do presidente. "E isso me incomoda. O que vejo são reportagens (algumas das agências de notícias) sobre os principais acontecimentos relativos às ações do presidente e de seu governo, mas sem um posicionamento definido contra ou a favor (como: qual a posição do jornal diante da fala do presidente sobre a comemoração do aniversário ditadura?)", questiona. Segundo o professor Eudes, é mais perceptível o posicionamento dos articulistas em seus espaços de opinião. "Não me parece que O POVO tenha uma posição definida como otimista ou pessimista com relação ao 'presidente e seu governo'", comenta.

Uma das questões às quais somos levados a refletir é: o jornalismo precisa chamar atenção para o que não é normal, para o que é absurdo, para o que é incoerente, para o que é grave. Comemorar (celebrar? rememorar? use outro termo correlato) um regime em que 20 mil foram torturados e métodos de repressão eram oficiais é absurdo. Ter um ministério em que, em três meses, 12 técnicos importantes saíram não é normal. Ter um presidente que usa do seu perfil no Twitter para bater boca e fazer anúncios oficiais é incoerente. Viajar para os Estados Unidos, num deslumbramento atávico, e não ter uma pauta urgente ou importante e descumprir uma série de atos institucionais é grave.

É muita agenda negativa espraiada, sim, mas ela não tem sido criada. Ela se impõe e se destaca. Fazer jornalismo, hoje mais do que nunca, significa dar o espaço que os fatos ocupam naquela conjuntura.

Um dos grandes desafios hoje é praticar o jornalismo dentro de uma sociedade plural, mas que não suporta conviver com quem pensa diferente e que não alimenta a tolerância, restringindo-se tão somente a impor a sua vontade. É papel da imprensa vigiar e acompanhar as instituições e os poderes e divulgar as suas ações. Mas, para que uma pauta positiva e a favor do governo seja publicizada, ela precisa, antes, existir.

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