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Meio Ambiente: Retrocesso a passos largos

21:58 | 06/06/2019
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, negou
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, negou "desmonte"

Ao discursar em sessão do Senado em alusão ao Dia Mundial do Meio Ambiente, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) negou ontem existência de "desmonte" na área e disse fazer uma gestão "técnica", "com eficiência e resultados concretos". É difícil saber de que resultados o ministro estaria se referindo, visto a incessante maré de dados negativos que o Brasil acumula no setor desde o início do ano. Somente em maio, por exemplo, o próprio ministério que Salles comanda divulgou desmatamento de 739 km² da Floresta Amazônica, índice recorde e 34% maior que o do mesmo período no ano passado. Chamado para debater sobre o assunto pela oposição, o ministro deixou o local. Saiu sob vaias e gritos de "fujão".

No Brasil ultrapolarizado, tem sido comum que discussões sobre os rumos do País acabem reduzidas a um "Fla-Flu" ideológico, onde dois lados radicalizados se opõem sem qualquer abertura para a racionalidade. Não há debate de ideias; apenas ataques entre inimigos. Nesse sentido, tem aparecido muita gente disposta a vestir a camisa de desmatadores mesmo sem ter absolutamente nada a ganhar com isso. Justificam o retrocesso, por vezes, com o argumento de que as leis ambientais seriam "amarras" ao progresso, como se operações ilegais de madeireiras clandestinas pagassem impostos ou fossem um mercado limpo e aberto.

No final das contas, o real motivo dessa defesa parece um só: "se o lado de lá é a favor, então eu sou contra". O próprio presidente Jair Bolsonaro (PSL) já reforçou esse tipo de mentalidade, ao destacar em uma live que vetaria um projeto proibindo a cobrança de taxas por bagagens aéreas sobretudo porque ele era da autoria de parlamentares do PT. "É coisa do PT, que gosta de pobre", disse. Levado a uma questão crucial como o Meio Ambiente, a lógica tem efeitos literalmente devastadores.

Flexibilizar o flexibilizado

Talvez em um aceno a esse tipo de mentalidade, Jair Bolsonaro deve editar nos próximos dias uma nova Medida Provisória alterando o Código Florestal brasileiro. A MP anterior sob o tema, de autoria do ex-presidente Michel Temer (MDB), acabou caducando sem ser votada, não sem antes receber dezenas de emendas de deputados que tentavam liberar mais ainda a devastação ambiental e as anistias a criminosos do setor. No novo texto, expectativa é que Bolsonaro siga esse pessoal e edite uma norma ainda mais ampla e permissiva.

O problema maior é que o Código Florestal original, sancionado em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff (PT), já era amplo e permissivo demais. Com diversas aberturas para desmatamento, o texto ainda recompensava produtores irregulares - através das famosas anistias - e deixou a ver navios aqueles que se dedicaram para cumprir a lei. Na época, recebeu voto contrário inclusive do deputado federal Jair Bolsonaro (veja só).

Agora, para se ter uma ideia, tramita no Congresso projeto com assinatura de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) que extingue até mesmo a previsão de Reserva Legal. A medida, criada por Getúlio Vargas em 1934, estipula um percentual obrigatório de preservação para qualquer propriedade rural. Ou seja, o mínimo do mínimo. Na justificativa da proposta, mais argumentos ideológicos contra a "ecologia radical" e "fundamentalista", que encaixam bem no "Fla-Flu" ideológico descrito acima. Com até técnicos da Embrapa se manifestando contra a medida e alertando para impactos devastadores que ela teria na produção do País, é difícil ver quem ganharia de fato com a medida - fora meia dúzia de grandes exploradores no curto prazo.

Um olhar para o futuro

A questão central aqui é que a preservação do meio ambiente não é (ou pelo menos não deveria ser) uma pauta de esquerda ou de direita - talvez seja a época de abandonar um pouco a velha hostilidade das urnas e agir com racionalidade. Nem é um problema do planeta, que já se mostrou capaz de suportar as mais radicais alterações climáticas ao longo dos séculos. É um problema na verdade da humanidade, que só possui um planeta para habitar e muito pouco tem feito para preservá-lo. Pelo contrário, o destruímos cada vez mais.

Carlos Mazza