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Bolsonaro joga mais gasolina na fogueira

01:30 | 20/05/2019
EM 2015, CID apontou achacadores no Congresso
EM 2015, CID apontou achacadores no Congresso

O Congresso desistiu de Jair Bolsonaro. O movimento deus sinais logo na quarta-feira, diante da constrangedora visita do ministro Abraham Weintraub (Educação) à Câmara, e ficou escancarado já na sexta-feira, quando líderes do Centrão começaram a falar abertamente em uma agenda paralela de reformas no Legislativo. Para além das muitas trapalhadas e crises internas que acompanham o governo desde o berço, pesou na "virada de chave" a volta dos protestos e o perigoso avanço da investigação contra Flávio Bolsonaro sobre o pai.

Mais do que bravatas sobre combate ao comunismo ou pitacos sobre a eleição da Argentina, lideranças se preocupam com prognósticos negativos da economia, hoje em risco de uma nova recessão muito em função da inércia do Planalto. Diante do "fundo do poço" (como classificou o próprio Paulo Guedes), o que se esperava era que o presidente gastasse menos tempo com guerrilhas ideológicas via Twitter e se empenhasse na conciliação com o Congresso para a aprovação das reformas. Na última sexta-feira, Bolsonaro atropelou qualquer esperança disso.

Sem assinatura e com título escandaloso em caixa alta, "textão do zap" compartilhado pela maior autoridade do País sepultou qualquer possibilidade de diálogo. Ao compartilhar o texto, Bolsonaro assinou embaixo visão conspiracionista de que o País existe "para atender aos interesses de corporações". De uma só vez, a peça ataca o Congresso, o STF, servidores públicos e até "ana(lfabe)listas políticos". Sobre questionamentos do Congresso à reforma administrativa, diz: "Querem, na verdade, é manter nichos de controle sobre o orçamento para indicar ministros que vão permitir sangrar estes recursos para objetivos não republicanos".

No final do texto, o autor ainda deixa a recomendação "sell" (vendam, do inglês), como se orientasse investidores a apostar contra a economia do Brasil. Convido, então, o leitor a abandonar qualquer ideologia e se questionar apenas racionalmente: Com esse tipo de avaliação do presidente, por que cargas d'água algum congressista não convertido ao governo mudaria de ideia agora? Sem uma reestruturação total de toda a articulação política, é praticamente impensável hoje que o governo consiga aprovar qualquer projeto de seu interesse. Uma situação que muito lembra a reta final do governo Dilma Rousseff (PT).

Se há alguém satisfeito com a nova crise criada pelo Planalto, talvez só a massa mais radicalizada de seus seguidores, que nem de longe oferece suporte para a manutenção da gestão. Apelando para o popular, Bolsonaro quis ser Jânio. E pode acabar que nem ele, caso manifestações convocadas em defesa do presidente não vinguem.

A lição de Cid

O incendiário texto compartilhado pelo presidente tem, no entanto, seus defensores. Nas redes, é comum ver gente defendendo a peça e dizendo que ela não diz nenhuma inverdade. Pode até ser, mas aí estaríamos em um debate ontológico, e não sobre governabilidade. Cid Gomes (PDT), enquanto ministro da Educação, também não falou mentiras em 2015 ao acusar o Congresso de ser repleto de "achacadores" que tentam se aproveitar do governo. Chamado à Câmara para se explicar, reiterou sua verdade. Foi derrubado do cargo imediatamente depois.

Saneamento já

Diante de tanta crise, passou batido na última semana aprovação no Senado da norma que modifica o marco regulatório do saneamento básico. A medida, que teve texto final de Tasso Jereissati (PSDB), é importante porque facilita captação de recursos para o setor. Na época de eleição, é comum ouvir candidatos falar sobre como cada real investido em saneamento economiza quatro em saúde. Passadas as eleições, a área costuma acabar esquecida. Como diz o mentiroso chavão do meio político, saneamento não dá voto porque fica enterrado.

Nesse sentido, cabe destacar importância do texto sugerido por Tasso, que obrigou o poder público a manter dinheiro no setor. Pela proposta do governo, municípios ficariam mais dependentes da iniciativa privada - o que funciona nos grandes centros, mas seria catastrófico para pequenas cidades. É um considerável salto para o Brasil encarar o problema.

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