Caminhada da vida une a dualidade de emoções

Sentimentos como tristeza e alegria podem andar lado a lado quando movidos pelo amor

Sempre achei que os sentimentos andassem em pares. Feito queijo com goiabada. Só que nos últimos tempos a vida tem se mostrado estranha. E feito bagunça na minha teoria de pares perfeitos. É que tenho vivenciado a alegria e a dor. O amor e a tristeza. No princípio, achei loucura. Ninguém nos ensina que sentimentos diversos podem conviver com desenvoltura.

Papai tem passado seus dias deitado no sofá. Assiste TV, faz palavras-cruzadas, dorme. Muito. Ele nunca parou. No sítio da família, colhia frutas, dava banho nos cachorros, limpava a piscina, plantava, podava, varria a varanda. Percebê-lo se apequenando no sofá é angústia que não sabe por onde escapar. Perguntei a ele como era envelhecer. “Difícil.” Pedi que explicasse. “Não ter mais os amigos, não poder andar por aí. As pessoas me fazem falta, filha.” As palavras reverberam em mim. Impotência.

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Onde sempre quis estar

Sexta à noite. Me arrumo como quem vai para a primeira festa. Bailinho. O desejo de ser convidada para dançar uma música lenta. Marcos, o namorado, iria tocar com o irmão para comemorar o aniversário de ambos. Saio de casa já atrasada. Chego ao bar, entro sem jeito. Nossos olhares se cruzam. Ele sorri. Devolvo. Estou aqui. Onde sempre quis estar. Com ele. Marcos é tímido, generoso, companheiro. Quando nos abraçamos, me sinto em casa. Quando nossos corpos se encontram, flutuo. No bailinho da vida, estou. Nesse amor que é um não lugar, porque pode ser todos. Enquanto ele toca, danço, festejo.

Ilustração de uma mulher de meia-idade e uma mulher jovem se abraçando
O amor une gerações (Imagem: pizzastereo | Shutterstock)

Relação entre amor, velhice e juventude

Angústia pelo fim, esperança de recomeço. Uma dualidade que consome, ora pende para um lado, ora para o outro. Mas há um sentimento que une os extremos: o amor. É um privilégio, por mais doloroso que seja, ser companhia para os meus pais no final da estrada deles. Sou a mão que acompanha, em um difícil exercício de observação do fim, um ponto no qual todos iremos chegar – mas que evitamos pensar.

É corajoso – para mim e para o Marcos – mergulhar no profundo de uma nova relação, após recolhermos nossos pedaços. Estamos na mesma estrada – eu, ele, meus pais. A diferença é que alimentamos a nossa fé em uma jornada ainda longa. Tristeza, alegria, paixão, dor e angústia. Não existem, afinal, pares perfeitos. Há apenas o caminho, que todos nós atravessamos. Juntos, em pontos diferentes. Talvez esse seja o sentido. Imperfeito. Impermanente. Bonito. Necessário.

Por Ana Holanda – revista Vida Simples

Gosta de escrever sobre tudo aquilo que a atravessa.

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