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França vai às urnas em meio a cenário imprevisível

18:12 | 22/04/2017
Em campanha que chega ao fim sob a sombra do terrorismo, quatro candidatos disputam lugar no segundo turno. Pleito ocorre em momento de desconfiança em relação ao futuro da UE, onda populista e insatisfação com economia.Os eleitores franceses decidem neste domingo (23/04) quais serão os dois candidatos que vão passar ao segundo turno das eleições presidenciais. O cenário tem elementos inéditos: quatro de um total de 11 postulantes aparecem com chances de passar, tornando o resultado da disputa imprevisível. O pleito também ocorre em um momento de desconfiança em relação ao futuro da União Europeia pós-Brexit, onda populista, temor de novos atentados terroristas e insatisfação com a política migratória e econômica do país. Dois candidatos manifestaram em graus variados que pretendem rever as condições da adesão da França no bloco europeu. Portanto, o resultado da eleição francesa também está sendo encarado como um teste de força da UE, já que a França é um dos pilares do bloco. O temor de terrorismo, em alta desde o massacre do Charlie Hebdo em 2015, voltou renovado nesta semana com um ataque na Avenida Champs-Élysées, em Paris, que na quinta-feira (20/4) deixou um policial morto. A ação foi reivindicada pelo Estado Islâmico (EI). Um total de 50 mil policiais deve reforçar a segurança no dia da votação. Os últimos dias de campanha estão sendo dominados pelo temor de novos ataques. Um cenário imprevisível As eleições francesas raramente são decididas no primeiro turno – desde o início da Quinta República, em 1958, apenas o general Charles de Gaulle conseguiu o feito. Mas também nunca houve um primeiro turno tão embolado como o de 2017. Os quatro candidatos mais bem posicionados - Marine Le Pen, Emmanuel Macron, Jean-Luc Mélenchon e François Fillon - aparecem com entre 19% e 24% das intenções de voto nesta reta final. Considerando a margem de erro da maioria das pesquisas, quase sempre de 3 pontos, todos têm chances de passar a segunda rodada, marcada para 7 de maio. E todos esses candidatos se apresentam como vindo de polos completamente opostos, um atestado das divisões na sociedade francesa e da fragmentação do sistema partidário. Há uma candidata de extrema-direita (Le Pen), um conservador tradicional (Fillon) e dois independentes - um deles de esquerda (Melénchon) e outro de centro (Macron). Todos, com exceção de Fillon, são encarados como "outsiders". Também contribuiu para o cenário o fato de o impopular presidente François Hollande ter decidido não concorrer a um novo mandato, o que abriu ainda mais espaço para novas candidaturas. Os maus números da economia, como o desemprego, que alcançou 10% em fevereiro, e uma sensação de estagnação, também ajudaram os candidatos com uma mensagem de renovação. No ano passado, o cenário parecia mais previsível. O partido conservador Os Republicanos apresentou como candidato François Fillon, um político tradicional, que fez sua carreira no sistema e foi primeiro-ministro. Com o naufrágio do governo Hollande, parecia certo que sua candidatura seria provavelmente bem-sucedida. A única adversária que se apresentava era Marine Le Pen, do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), que apareceu regularmente no topo das pesquisas, mas sobre quem pairam dúvidas sobre sua capacidade de crescimento no segundo turno. Analistas apostaram que entre Marine e Fillon se repetiria o cenário de 2002, quando Jean-Marie Le Pen (pai de Marine) passou para o segundo turno e acabou sendo esmagado pelo conservador Jacques Chirac, que foi apoiado por todas as correntes que desprezavam o FN. A reviravolta Fillon começou a se comportar como se a sua vitória fosse certa, mas acabou sendo atropelado por uma investigação judicial que levantou a suspeita de que ele teria oferecido empregos fantasmas de assistentes parlamentares para a mulher e os filhos. O escândalo levou a especulações de que Fillon desistiria da candidatura, enquanto muito eleitores migraram para outros candidatos. Apesar das denúncias, ele chega à reta final com entre 19% e 21% das intenções, segundo as últimas pesquisas. Após a desidratação de Fillon, o campo ficou aberto nos últimos meses para o independente de centro Emmanuel Macron assumir o papel de provável vencedor em uma disputa isolada contra Le pen. Com apenas 39 anos, ele passou a propagandear uma plataforma de renovação econômica, apesar de ter sido ligado ao governo Hollande e ter atuado no mercado financeiro. O discurso alavancou sua posição nas pesquisas, que também passaram a indicar que ele esmagaria Le Pen na segunda rodada. Nas últimas pesquisas, ele aparece com entre 23% e 24,5%, empatado ou superando Marine. Mas o fenômeno Macron também vem sendo rivalizado pelo fator Jean-Luc Mélenchon, um esquerdista que lançou um movimento independente e se tornou a sensação eleitoral das últimas semanas. Um eurocético light, Mélenchon não compartilha o desprezo de Le Pen por Bruxelas, mas propõe renegociar alguns pontos da adesão da França à União Europeia. Defendeu aumentar o salário mínimo e uma semana de trabalho de 35 horas. Sua candidatura saltou oito pontos percentuais no último mês ao conquistar eleitores jovens e por causa de seu bom desempenho nos debates. Muitos dos novos apoiadores eram eleitores de Benoît Hamon, o candidato do Partido Socialista de Hollande, que por causa da sua ligação com o presidente impopular amarga um quinto lugar e não tem chances de passar para o segundo turno. Mélenchon tem 19% das intenções de voto. A vez de Marine? Ao longo da campanha, Marine Le Pen permaneceu sólida, sempre com mais de 20% das intenções de voto. Em muitas análises, a eleição francesa vem sendo encarada como um teste para a força da FN, que há décadas assombra o cenário político francês. Depois da vitória de Donald Trump nos EUA e da aprovação do Brexit, partidos de extrema-direita europeus, entre eles a FN, passaram a encarar que chegou o seu momento. Na reta final, Le Pen tenta afastar a repetição do massacre que ocorreu com seu pai em 2002. No momento, ela perderia para qualquer adversário. A FN, que costuma ir bem em pesquisas, mas nunca consegue converter isso em poder, passou por um processo de "normalização" nos últimos anos. Com um discurso mais amplo, distante da pregação abertamente racista de seu pai, Marine Le Pen passou a cortejar a classe trabalhadora que se sentiu abandonada pelos partidos tradicionais. O discurso xenófobo ainda está presente, mas é mais pontuado por uma defesa do Estado laico francês e contra o terrorismo. Por outro lado, a candidata também redobrou sua hostilidade à UE, defendendo a realização de um "Frexit", uma consulta popular sobre a permanência da França no bloco. Nas últimas pesquisas, apareceu com entre 21,5% e 23% das intenções, já atrás de Macron e ameaçada pelo persistente Fillon e o ascendente Mélenchon. Autor: Jean-Philip Struck
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