Participamos do

O encontro nos corredores da vida

Em uma casa verdejante o presente se entrelaça nas memórias e constrói uma nova história nas vidas de Maria e Valderez. Antes patroa e empregada doméstica, elas compartilham hoje o mesmo quarto depois de se encontrarem por acaso nos corredores do Lar Torres de Melo
19:16 | Set. 29, 2016
Autor Bruna Damasceno
Foto do autor
Bruna Damasceno Repórter no OPOVO
Ver perfil do autor
Tipo Notícia

[FOTO1] Cadeiras de balanço, porta-retratos e flores se misturam com lembranças na pequena casa verde de número 14 no Lar Torres de Melo. Neste cenário habitam as memórias biográficas da empregada aposentada Maria Jovelina Alves da Silva, de 88 anos e da funcionária pública aposentada Valderez de Castro Ramos, 83 anos. Elas viveram durante seis décadas em uma relação de patroa e empregada doméstica e agora compartilham o mesmo quarto no asilo.

“Desde criança eu luto e até hoje estou vencendo,” conta Maria - que começou a trabalhar como doméstica aos 10 anos de idade em Ipu, distante 250 quilômetros de Fortaleza, logo depois da morte de sua mãe. Uma história de luta que se esconde nos sorrisos constantes e nas linhas finas do seu rosto. Ela veio para a Capital aos 20 anos e logo começou o trabalho em uma casa movimentada no bairro Benfica, onde morava uma mãe e 10 filhos, um deles, Valderez, com 15 anos na época.

[SAIBAMAIS]

A casa que foi o berço da família Ramos também foi o lar e o trabalho de Maria até os 82 anos. Com memórias falhas e intensos afetos, elas não conseguem dizer as datas exatas dos fatos, mas relatam que com a morte da mãe de Valderez, a relação que não era tão próxima foi estreitando. Acrescente a isso que, aos poucos, os irmãos da então funcionária pública foram se casando, mudando de endereço, e a casa que parecia pequena começou a ter mais espaço para amizade.

Seja assinante O POVO+

Tenha acesso a todos os conteúdos exclusivos, colunistas, acessos ilimitados e descontos em lojas, farmácias e muito mais.

Assine

 

Depois de sessenta anos de convivência, as duas se separaram em 2012, quando Valderez caiu no banheiro e precisou fazer uma cirurgia na perna. Na ocasião, um primo a aconselhou que fosse para o Lar Torres de Melo. Depois de sair da unidade de saúde, ela ingressou na instituição com a ajuda do familiar. Maria ficou na casa do Benfica.

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida” (Vinicius de Moraes)

Foi com passos vagarosos que elas caminharam de encontro as suas histórias em um dos corredores do Lar Torres de Melo. “Fui me vacinar e me encontrei com ela no corredor. O que tu estás fazendo aqui? Achei muito bom tê-la aqui comigo, podia ter ficado em qualquer outro lugar, mas veio para cá”, disse a funcionária pública.

“Ela ficou emocionada, porque nunca pensou que eu viesse para cá, e que nos encontraríamos novamente. Minha reação foi a mesma: emocionada! Passamos muito tempo sem nos ver, aí nos encontramos de novo, e deu aquela emoção, e graças a Deus estamos juntas até hoje”, diz Maria.

Juntas por 60 anos e separadas por alguns corredores, o mesmo que as uniu novamente, a relação que começou de forma hierárquica rompeu o abismo social e o tempo. Jovelina foi levada por uma assistente social ao Lar Torres de Melo; chegando lá, ficou em uma subdivisão da instituição chamada “Casarão” - local em que ficam idosos parcialmente dependentes, o caso dela na época.

“Eu vejo um sentimento muito bonito de união”, descreve o fotógrafo Pedro Jorge do Nascimento, que fazia trabalho voluntário no asilo quando conheceu a história das idosas. Ele conta que acabou se tornando amigo delas. “Na medida em que fui conhecendo a história, fui achando cada vez mais interessante. Eu via que a Maria não ia para a quadra (local onde acontecem as confraternizações) quando a Valderez também não podia ir. E acho o companheirismo delas admirável”, diz Pedro.

Apertando os pequenos olhos com um sorriso largo no rosto, Maria termina a entrevista dizendo: “Essa que é a coisa: a vida, saber viver, saber entrar, saber sair...Conversar com as pessoas, ter amizade sem saber com quem. Fazer o bem, fazer um favor quando precisa, o importante é fazer amizade. Abrace, faça carinho, converse e ache graça, essa que é a coisa!”.

Série Lar Torres de Melo

A série começou nesta quarta-feira com a história de Roberto Maia. Nesta sexta-feira, 29, O POVO Online traz a história do casal Wilson Vitorino Da Silva e Maria Nazaré Conceição, que se conheceu no Lar Torres de Melo e namoram há 13 anos.

Conheça Jovelina:

[VIDEO1] 

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente