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Reviravolta de último segundo faz justiça no Oscar 2017

Vitória de "La La Land", que chegou a ser anunciada, mostraria que o posicionamento de Hollywood com minorias seguia estanque. Mais do que o erro na apresentação, Oscar propôs uma mudança de pensamento
10:29 | Fev. 27, 2017
Autor André Bloc
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André Bloc Editor-adjunto de Esportes
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Tipo Notícia
No palco, o ator e diretor Warren Beaty, 79 anos e vencedor de um Oscar, falava sobre a importância da diversidade e do quanto questões políticas deviam importar para a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Em uma cerimônia de Oscar marcada pela resistência da classe artística ao governo conservador do bilionário republicano Donald Trump, o discurso parecia condizente com uma vitória de “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, de Barry Jenkins. O nome que o veterano (e democrata fervoroso) ator leu, no entanto, foi o de “La La Land: Cantando Estações”, para frustração de quem sonhava com a quebra de um status quo.

Só que nem os roteiristas premiados nesta edição seriam capazes de prever o plot twist final. O filme errado foi anunciado como melhor do ano no principal prêmio da indústria cinematográfica, realizado na noite de domingo no Teatro Dolby, em Los Angeles. E não por juízo de valor. Beatty, por engano, releu o Oscar de melhor atriz, que foi para Emma Stone (protagonista de “La La Land”). Coube, à contragosto, aos produtores do musical vencedor de seis prêmios da noite desfazer o equívoco e chamar a equipe de “Moonlight” para o palco. Um vexame histórico.

Paralelamente, a reviravolta final fez com que a justiça fosse feita no Oscar de Melhor Filme pela primeira vez desde 2008, quando “Onde os Fracos Não Têm Vez”, de Ethan e Joel Coen, levantou a principal estatueta da noite. Na madrugada de ontem, tínhamos o cinismo romântico do favorito “La La Land”. Belo, irônico, simpático e politicamente insípido. Do outro, a urgência social de “Moonlight”, cujo protagonista é um rapaz negro, pobre e homossexual dos subúrbios de Miami. Em uma cerimônia marcada por protestos contra a xenofobia e racismo do presente norte-americano, o ápice poderia – e deveria – ser a vitória do drama social de Barry Jenkins.

A pressão social em volta deste Oscar era imensa. Depois da campanha #OscarSoWhite (contra o racismo institucional da Academia), no ano passado, a cerimônia de 2017 viu um ator e uma atriz negras serem premiados como coadjuvantes. Mahershala Ali, de “Moonlight”, recebeu merecidamente o prêmio inicial da noite, se sagrando o primeiro ator muçulmano premiado por uma atuação no Oscar. Já Viola Davis recebeu uma estatueta que merecia há meia década. Era a resposta da Academia, de Hollywood, às críticas.

Só que a defesa da representatividade de minorias parecia só discurso. Quando os principais prêmios se aproximaram, “La La Land” ganhou força. Injustamente, Emma Stone e Damien Chazelle receberam os Oscars de Melhor Atriz e Diretor que deveriam ir para Barry Jenkins e Isabelle Huppert. A estranha reviravolta final mostra uma curva acentuada por justiça social e uma resposta direta às políticas conservadoras de Trump.

Vale dizer que a “virada” de “Moonlight” não tem apenas valor discursivo. Robusta e cortante, a obra é um retrato vívido de uma realidade de milhões. É uma obra acima de tudo urgente, que pulsa dor, fragilidade e injustiça. Pode soar uma vitória de pena. Mas, por mais estranha que tenha sido  noite, foi uma vitória do melhor filme entre os nove indicados.

Bem apresentada por Jimmy Kimmel e com discursos políticos fortes de premiados negros e imigrantes, o Oscar 2017 acabou de forma amarga como cerimônia e de maneira genial como entretenimento. O tempo ainda há de dizer se a amargura ou a doçura hão de prosperar. Mas a história cinematográfica foi escrita por linhas tortas ao vivo para 225 países no mundo todo.

Poucas surpresas

É até irônico falar em poucas surpresas diante de uma cerimônia que acabou de forma tão chocante. Mas, em geral, a 89ª edição do Oscar transcorreu dentro de um script previsto. Casey Affleck, melhor ator; Emma Stone, atriz; Damien Chazelle, diretor; Mahershala e Davis, todos eram esperados. A maior surpresa acabou sendo montagem, que ficou com John Gilbert, pelo drama de guerra (ligeiramente fascista) "Até o último homem", de Mel Gibson.

“O Apartamento”, em melhor filme em língua estrangeira era uma surpresa até o momento em que Trump resolveu barrar a entrada de pessoas de sete países majoritariamente muçulmanos – entre eles, o Irã. A decisão deu força para o filme de Asghar Farhadi superar o favorito alemão “Toni Erdmann”. Em honra aos compatriotas impedidos de entrar nos EUA, o diretor iraniano não esteve presente na cerimônia, enviando uma carta crítica às políticas de imigração de Trump.

 

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