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Lenda do jazz, John Coltrane morreu há 50 anos
Vida & Arte

Lenda do jazz, John Coltrane morreu há 50 anos

Para amantes do jazz ou quem ainda não mergulhou nesse universo, John Coltrane oferece preciosas lições de inquietação artística, busca pelo novo, afirmação de identidade e intensidade
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Dalwton Moura

ESPECIAL PARA O POVO

vidaearte@opovo.com.br

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“Eu quero tocar as pessoas com a minha arte. Quero que elas digam: ele sente mais, ele sente melhor”. A frase atribuída a Van Gogh ressalta a visão do artista em busca de seu maior propósito. A intensidade, o sentimento, a determinação de ir mais e mais longe. Ultrapassar limites, tentar novidades, se atirar ao desconhecido, abraçando o risco em nome da arte.


Se Miles Davis foi o grande e múltiplo reinventor do jazz, promovendo várias revoluções, se Dave Brubeck redefiniu as possibilidades rítmicas com os compassos compostos, se Thelonious Monk modificou o chão harmônico e a forma de improvisar, John Coltrane (1926-1967) foi responsável por expandir não só as possibilidades do saxofone tenor, mas do jazz como um todo. Sempre buscando, tentando, querendo mais. Indo além, em passos de gigante.


Apesar de já nos 1940 ter tocado com outras grandes lendas, como Charlie Parker e Dizzy Gillespie, foi principalmente a partir da bênção recebida de Miles Davis, em meados dos anos 1950, que Coltrane se consolidou no seleto primeiro time do jazz. Os álbuns com o quinteto de Miles (por quem Coltrane seria “demitido”, conta-se, devido aos “excessos dos excessos”) lhe dariam uma importante base para a obra própria que desenvolveria em breve, a partir de 1957, com Coltrane e o aclamado Blue Train, e em 1958 com o também marcante Soultrane.

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Neles floresce uma de suas mais pessoais características: o estilo de improvisação, forte e extremo, com frases seguidas, uma superando a outra em ousadia, e solos mais longos, que lhe renderiam problemas com músicos mas também seriam bem acolhidos pela crítica, que cunhou a expressão “sheets of sound” (páginas ou camadas de sons).


Em 1959 Coltrane participaria do nascimento de um clássico, o LP Kind of Blue, um referencial para o chamado jazz modal, completando a transição desde o hard bop, desta vez com ainda menos definição dos temas e mais liberdade para a improvisação, a partir de poucas escalas, em vez de uma composição definida e escrita em partitura. Kind of Blue, o álbum da misteriosa So what, da lírica Blue in green e da pungente Flamenco sketches, reuniria um verdadeiro dream team (Cannonball Adderley, Bill Evans, Paul Chambers e Jimmy Cobb), se tornaria o disco de jazz mais vendido de todos os tempos e, para muitos, também a maior entre as tantas recriações do jazz ao longo da carreira de Miles.


Em 1960, porém, Coltrane lançaria seu próprio clássico, gravado em paralelo a Kind of Blue: o LP Giant Steps, o primeiro a trazer somente composições próprias do saxofonista, tão pessoais quanto desafiadoras. A partir da faixa-título, em que o tema dá vazão naturalmente a um complexo caminho de improvisação, surpreendente e convidativa. Um standard tocado até hoje em todo o mundo.


Com o piano de Tommy Flanagan e Winton Kelly, a bateria de Art Taylor e Jimmy Cobb e o baixo de Paul Chambers, o tenor de Coltrane brilha improvisando na mais bluesy Cousin Mary, provoca músicos e ouvintes na intrincada e temida Countdown, constrói de um exercício um tema jazzy e marcante em Spiral, encontra um groove contagiante na sofisticada Syeeda´s song flute, comove e enternece na instigante balada Naima (música que ele seguiria sempre tocando em shows, em homenagem à esposa) e volta ao uptempo com o tema-quase-riff de Mr. PC, dedicada ao baixista Paul Chambers. Um esmerado projeto estético que cinco anos depois iria desembocar em um disco ainda mais ambicioso e seminal: A Love Supreme. Mote para outros bons dedos de prosa em torno de Coltrane.


Vale destacar que o público cearense já teve a oportunidade de conferir ao vivo a íntegra dos discos Kind of Blue e Giant Steps em apresentações lotadas no Festival Jazz & Blues em Guaramiranga e nos projetos Ceará Jazz Series, no Centro Dragão do Mar, e Jazz em Cena, no Centro Cultural Banco do Nordeste, com os álbuns recriados no palco por mestres como Marcio Resende, Thiago Almeida, Hugo D´Leon, Ferreira Jr., Thiago Rocha, Luciano Franco, Iury Batista, Denilson Lopes e David Krebs. Momentos que se somaram a iniciativas como o programa Encontro com o Jazz, da Universitária FM, e ao novo crescimento do jazz nos espaços públicos e privados em Fortaleza. Viva Coltrane! Viva o jazz! Vivam a música e os músicos do Ceará!


Dalwton Moura é jornalista, compositor e crítico musical

 

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