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Em Joaquim, Marcelo Gomes, fala do Brasil de ontem e de hoje
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Em Joaquim, Marcelo Gomes, fala do Brasil de ontem e de hoje

Novo filme do pernambucano Marcelo Gomes imagina a vida de Tiradentes, quando ainda era Joaquim, para falar do Brasil de ontem e de hoje
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Há uma metáfora, creditada ao escritor uruguaio Eduardo Galeano, que simboliza a História como a figura de um profeta que tem o olhar voltado para trás. À metáfora, o cineasta Marcelo Gomes, diretor de Joaquim, adiciona: “Temos que entender que o passado está dentro do presente, e vivo. O que nós somos agora tem muito a ver com a nossa história”. Olhando longe, para o século XVIII, o filme revisa historicamente e analisa a origem de algumas questões do Brasil atual.


O título do filme vem de Joaquim José da Silva Xavier, nacionalmente conhecido como Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira, movimento rebelde contra a coroa portuguesa. Apesar de ser tamanha figura histórica, o diretor considera o protagonista “fictício”. “Só existem, salvo engano, dois documentos do Tiradentes. Li várias biografias sobre ele, cada uma com um ponto de vista”, conta Marcelo. Para preencher as lacunas, o cineasta leu também documentos e livros sobre a estrutura social do Brasil Colônia, que foi trazida à tona para o filme. “O que me interessou foi entender como foi a tomada de consciência política de Joaquim. Sabemos que ideias iluministas influenciaram os Inconfidentes, mas Joaquim não era culto, da elite. Acho que ela veio a partir das relações que ele tinha com os ‘desclassificados’, mestiços, africanos escravos e índios, que sofriam o pior lado daquilo. Criei esse personagem fictício para refletir sobre a gênese do herói, transformá-lo num cidadão comum”, contrapõe.


Julio Machado, que interpreta Joaquim, descreve a construção do protagonista como um exercício de imaginação. “A responsabilidade de representar um herói de tamanha magnitude é imensa, mas nos desviamos dessa intimidação histórica”, afirma. “Tentamos nos voltar para o ser humano, nos interessavam as fraquezas e imperfeições que revelassem a humanidade dele. No percurso, fui encontrando conexões dele com minhas vivências como cidadão. Me pensar como um cidadão brasileiro em 2017 me fez compreender as razões que levaram Joaquim ao despertar político”, compartilha.


A revolução em Joaquim se faz presente e potente na personagem Preta, interpretada pela portuguesa Isabél Zuaa. “Para ela, entreguei não só o corpo, mas parte da minha história. Minha mãe é de Angola e meu pai é da Guiné-Bissau. Tive acesso a uma versão da História que não é a que aprendemos nas escolas em Portugal”, afirma Isabél. Preta é uma escrava que deseja a liberdade e se envolve romanticamente com o protagonista. “Estamos acostumados a ver filmes e novelas de época que tem a escrava como objeto. (No filme) O herói nacional é apaixonado por uma negra escravizada muito rebelde, que quer melhoras com urgência”, ilustra. “Mesmo sendo o final da cadeia alimentar, ela tem o propósito de conseguir a liberdade. No começo do filme, quando ela fala em crioulo com outro escravo, diz que está cansada, que vai fugir. Ela começa o filme com o sentimento que o Joaquim acaba, de revolta, mudança”, define.


Racismo, estrutura social, corrupção: falando do século XVIII, o filme discute questões que ainda hoje fazem sentido para o País. “Só se compreendem as crises políticas se a gente entender a História, mas não costumamos exercitar o ‘olho voltado para trás’”, critica Marcelo. “A contribuição do filme é revelar as fraturas sociais do passado. Se quisermos um País melhor, de incluídos, temos que ter esse olhar”, defende. “Eu comecei a fazer o filme em 2007, não existia uma crise política como agora. O artista é um homem de seu tempo, fui influenciado por ele, mas cada espectador descobre os próprios momentos no filme que ligam passado e presente”, convida


Julio concorda com Marcelo, e ainda oferece sua leitura particular. “ Cada um enxerga paralelos e metáforas ali. Os obstáculos atuais são muito parecidos com aqueles que Joaquim foi observando. Para mim, o Joaquim de hoje é, resumida e arquetipicamente, um brasileiro. Ele se depara com dificuldades intransponíveis, como os privilégios para poucos, o abismo social. É como se passasse por um eterno nadar contra a corrente. Toda vez que há avanços, um golpe nos faz regressar”, opina. Marcelo finaliza: “Eu quis construir um filme histórico palpável, transformar a História em algo vivo, humano. Temos que aprender com os erros terríveis. É a grande lição: ou construímos um País onde a cidadania é um direito de todos, ou mantemos esse País de privilegiados”.

 

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