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"Eu nunca subestimo o público"
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"Eu nunca subestimo o público"

Diretor do delicado o filme da minha vida, em cartaz nos cinemas, Selton Mello se revela um artista que não escolhe ir pelo caminho mais fácil
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A comédia arrasa-quarteirão ao drama de nicho. Das produções grandiosas aos curtas de orçamentos mais tímidos. Da novela das nove à série de TV por assinatura. Selton Mello tem, em sua trajetória, diferentes experiências com a linguagem audiovisual — mas ainda não é o suficiente. Aos 44 anos, o ator é, há muito, veterano. A carreira começou aos sete anos na novela Dona Santa e não parou mais. Agora o artista apresenta O Filme da minha vida, terceiro longa-metragem seu como diretor. Seguindo o tom sensível de O Palhaço (filme indicado para representar o Brasil no Oscar 2013), a obra gravada nas Serras Gaúchas investe em beleza e melancolia para conquistar o público. O filme em nada lembra produções que marcaram a trajetória de Selton, como O Auto da Compadecida, mas é justamente isso que o mineiro quer: ser visto das maneiras mais diferentes para se sentir “vivo artisticamente”.


O POVO - Seus três protagonistas até agora são meio “peixe fora d’água”, pessoas insatisfeitas. Você se considera um homem inquieto?

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Selton Mello – Sim, me considero e eu me pergunto que inadequação é essa... No caso do Tony (Terranova, protagonista do novo filme), é uma inadequação da idade, ele está em formação, virando adulto, tendo os primeiros amores, os primeiros sonhos, primeiras aspirações e lidando com a falta de um pai. É um personagem encantador e acho encantadora essa busca a partir dessa insatisfação.


OP – Você dedica o filme aos seus pais. Que tipo de interferência essa história tem com sua relação com sua família?

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Selton – A minha família é bem unida: eu, meus pais e meu irmão (o ator Danton Mello). Eu venho desse núcleo afetivo muito forte, então quando eu li essa história (o livro Um pai de cinema, do escritor chileno Antonio Skármeta - que serve de base para O Filme da minha vida), que é uma história que tem muitas leituras, uma delas é da união dessa família. O protagonista cresce, ganha musculatura emocional e amadurecimento para reunir a família de novo. A minha já está unida, eu não precisei fazer esse movimento. Os meus pais fizeram muitos sacrifícios por mim na vida, então, tudo eu dedico aos meus pais. Esse filme eu quis botar na tela, para ficar uma tatuagem para sempre.


OP – O Tony vive um processo de amadurecimento e “amadurecer” é um verbo que acompanhou toda sua carreira, justamente por ter crescido diante das câmeras. O que foi o mais chato e o mais divertido de amadurecer em cena?


Selton – Eu não consigo nem separar a vida da arte, porque se desde menino eu já estava num estúdio, o meu playground era o estúdio. Eu gostava mais de ficar lá do que quando eu tinha que tirar férias. Os meninos gostavam de jogar bola, eu gostava de gravar. Muitos dos câmeras, que trabalhavam na Globo quando eu tinha 11 anos, trabalham comigo ainda hoje e eles me contam coisas que eu não lembro, falam que eu era um moleque que quando acabava a minha cena, não ia embora, ficava ali mexendo nas câmeras, no foco, querendo saber como era a luz. Já com onze anos eu tinha interesse técnico, porque aquilo era o meu mundo, eu cresci nisso. Por isso, é muito natural hoje eu dirigir, atuar, com muita leveza. Eu cresci nisso.

Eu sei onde colocar uma câmera, como contar uma história.


OP – Na década de 1990, você fez muito sucesso nas novelas. O que você acha desse gênero hoje? Você tem interesse e/ou te agrada assistir?


Selton – Eu assisto pouco a novelas, para dizer a verdade. As novelas pioraram muito e isso é uma verdade, não estou falando nenhuma grande novidade. Talvez o último grande suspiro tenha sido Avenida Brasil (2012), mas foi uma coisa solta. Antes disso, sei lá, Renascer (1993) e se pegar de 1980 para trás era só golaço. Vale Tudo, Roque Santeiro, Tieta, mas para trás, as novelas da sete como Cambalacho, as das oito super densas. Com o tempo, as novelas foram ficando um pouco sem marca. Isso é uma característica. Eu gostava da época que via um minuto na tela de alguma coisa e eu falava “essa novela é do (Walter) Avancini”. Tinha uma cara da direção dele, um estilo de atuação proposto por ele. Você via e sabia que era do Cassiano Gabus Mendes, todos eles tinham um estilo. Hoje em dia são oito autores escrevendo, seis diretores dirigindo uma novela. Acho que a novela perdeu uma assinatura, perdeu uma cara. Elas são todas um pouco parecidas.


OP – Sobre a novela Tropicaliente (1994), que foi filmada no Ceará, como foi a experiência? Você se conectou com o Estado?


Selton - Um dos maiores sucessos da minha vida em novela foi aqui.

Vai fazer 25 anos. Eu fiz dez novelas na minha vida inteira e depois eu parei. A minha ultima novela foi em 2000, mas Tropicaliente foi o auge da minha fase novela, foi meu primeiro protagonista, primeiro grande personagem na televisão. E eu vivia aqui em Fortaleza, eu morei aqui, praticamente. A gente gravava muito mesmo. Dez dias por mês tinha gravação em Fortaleza. Eu tinha um buggy. Eu tinha uma transação com um cara que alugava carro, então o meu carro era um buggy, eu andava nele para tudo que era lado. Eu vi ali na Praia do Futuro dois shows memoráveis, de dois artistas que já morreram: Cássia Eller e Chico Science. Eu vi ali na Praia do Futuro, com aquela lua, pisando na areia. Tenho lembranças lindas daquela época.


OP - Você já tinha carinho pelo Nordeste, mas o Chicó (de O Auto da Compadecida) te aproximou de vez?


Selton - Chicó me jogou no colo do povo.


OP - E, para você, enquanto ator, como é redescobrir o próprio País?


Selton - Isso é uma outra beleza da minha profissão. Ela me leva para lugares que talvez eu não fosse espontaneamente. O Auto da Compadecida foi feito no sertão da Paraíba. O Lisbela e o Prisioneiro, outro grande sucesso no Brasil todo, foi em Recife e arredores de Recife. No sertão da Bahia eu filmei Guerra de Canudos. Já filmei em muitos lugares. O cinema já me levou para muito lugar e isso é muito bonito. Como realizador, eu sou tipo o maquinista de O Filme da minha vida, e quando o público senta para ver meu filme, eu também estou levando ele para algum lugar. Algum lugar da memória, algum lugar do afeto, de algo que foi perdido, de reconciliação com alguém da família.

É também uma viagem ir ao cinema.


OP - Como ator você trabalhou com muitos diretores. Consegue ver uma cara ou é utopia falar do cinema brasileiro como uma coisa só?


Selton – É bem diverso. Cada um tem uma cultura, um estilo, um olhar, uma vivência, porque, na verdade, nós somos um amontoado das nossas vivências, quando a gente vai filmar é um retrato do que você viu. Falando só daqui do Ceará, tem muita coisa. A moçada do Alumbramento, o Petrus Cariri, o Halder Gomes, craque do humor.

Falando de Nordeste, tem Cláudio Assis, Kleber Mendonça Filho, em Recife. E ainda Beto Brant (São Paulo), Lais Bodanzky (São Paulo), cada um tem um jeito muito próprio.


OP – Você diz que quer ser um diretor que filma pequenas grandes histórias humanas. Por outro lado, você divide espaço nos cinemas do País com muitos filmes de ação, cheios de efeitos e com grande repercussão. Como você lida, com seus filmes delicados, com um mercado cheio de grandes produções?


Selton - Eu acredito na força dessas pequenas grandes histórias. Eu acho que o mundo está muito esquisito. Não só o Brasil, o mundo todo.

 

Acho que esses filmes de super-heróis, blockbusters americanos, de gigantes, explosões, explosões, explosões... também já estão saturando. Eu acredito na força do afeto do meu filme. Acredito na força da delicadeza, da sensibilidade como uma forma de alento. Eu estou viajando grande parte do País e o filme causa uma emoção, uma comoção tão grande, exatamente por isso, é como se fosse um “ufa”, obrigado por me dar um filme assim. Faltava um filme assim. E aí ele pode achar o caminho dele e brigar com os gigantes mais forte do que nós.


OP - O Palhaço (2011) foi um sucesso de público e de crítica, apesar de ser um longa-metragem de metáforas complexas. Você não tem medo da “não compreensão”?


Selton – Eu nunca subestimo o público. Na verdade, muito antes de fazer cinema, eu fazia teatro numa época que eu estava exatamente no auge do O Auto da Compadecida, no auge de Lisbela e o Prisioneiro.

Então, era uma época que eu estava muito popular, com o público querendo me ver no palco e já ali eu não fazia uma comédia bobinha no teatro para o povo ir lá me ver. Eu fazia Harold Pinter, que é um grande autor inglês, um mestre do Teatro do Absurdo. Fiz Esperando Godot também com José Celso Martinez. É quase um ato de resistência. O público gosta de mim e espero que ele vá me ver e se modifique e cresça e aprenda e use sua imaginação. Eles sacam isso. Minha relação com o público é muito estreita.


OP - Enquanto diretor, você costuma resgatar em seus trabalhos atores que estão fora das telas. O meio artístico é um pouco cruel com a velhice?


Selton - Totalmente. É cruel sim. É um País sem memória, um País movido pelo novo. O novo ator, a nova torradeira, o novo aplicativo, mas e aí? Cadê a moçada que deveria estar fazendo e não está? Eu faço, sim, questão. No Feliz Natal (2008) foi a Darlene Glória e o próprio Lucio Mauro fazendo um personagem dramático, rodrigueano, que nunca chamavam ele para fazer algo assim. No O Palhaço, além do Moacyr franco, que foi um estrondo, tinha o (comediante) Ferrugem, o Jorge Loredo, que era o Zé bonitinho. E, no O Filme da Minha Vida, o Rolando Boldrin. No série Sessão de Terapia (exibida pelo canal GNT) tinha também o Cláudio Cavalcanti, que estava afastado havia um tempo. Eu tenho uma atenção com quem está fora do jogo e deveria estar no jogo.


OP - Você tem uma vida pública reservada. É difícil não ser celebridade?


Selton - Não, porque eu sou mineiro (risos). A resposta mais fácil da minha vida.


OP - Mas, recentemente, você se declarou para a atriz Marjorie Estiano no programa Altas Horas (TV Globo). Se arrepende da repercussão que isso ganhou?


Selton - Nem um pouco. A Marjorie é um amor de pessoa. Nós somos grandes amigos. Aquilo foi só uma declaração em público do que eu já tinha falado para ela. Fez parte daquele trabalho. Ela realmente é a maior atriz da geração dela e foi bonito. Foi legal ser genuíno. As pessoas vão nas entrevistas e falam pataquadas, ninguém fala do coração. Foi bonito ser sincero.


OP – O País vive momento de instabilidade das instituições de gestão pública de cultura, como o Ministério da Cultura (MinC), que vem enfrentando enfraquecimento das ações. Você teme pelo futuro das políticas públicas para a cultura no País?


Selton - Está tudo tão caótico que eu não consigo dissociar cultura, que onde eu estou inserido, do resto. E saúde? E educação? Não é só em relação à cultura, é em relação a tudo que envolve os direitos humanos nesse País. O Brasil está um caos. Na verdade, ele não está um caos hoje apenas, está há muito tempo. Agora só foi revelado todo o lamaçal, mas eu tenho esperança de que desse lamaçal venha luz.


OP - Com 44 anos de idade e 37 de carreira, você já fez muita coisa. Qual é o seu desejo mais latente para seu futuro artístico?


Selton - Eu desejo continuar vivo, são, criativo, com a cabeça boa, saúde boa para continuar fazendo o que eu já faço, não quero nem muito mais do que isso. Eu quero continuar fazendo o que eu já faço, com minha verdade, com minha sensibilidade, levando para o público o meu melhor. E eles sentem que eu levo o melhor. 

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PERGUNTA DO LEITOR


Alisson Félix, músico e compositor.


ALISSON – Como é encarar personagens tão diferentes de você e diferentes entre si?


Selton – Alisson, esse é o grande prazer do trabalho do ator, poder circular em linguagens diferentes, estilos diferentes. Eu sempre procuro fazer trabalhos diferentes. Comédias, dramas, filme cabeça, filme comercial, trabalhos mais estranhos, trabalhos mais legíveis. Eu gosto dessa mistura. É isso que me mantém vivo artisticamente.

 

Perfil

 

Selton Figueiredo Melo nasceu na cidade de Passos (Minas Gerais) em 30 de dezembro de 1972. Ainda criança mudou-se para São Paulo com a família, onde começou a carreira, em 1979, na novela Dona Santa, da Rede Bandeirantes. Após atuar em novelas de diferentes emissoras, em 1990 fez sua estreia no cinema com o longa dos Trapalhões, Uma Escola Atrapalhada. Em mais de de 30 anos de carreira, se firmou como ator,diretor e produtor, destacando-se principalmente na televisão e no cinema. Foi ainda guitarrista de uma banda chamada Vendetta e fez carreira do teatro, chegando a atuar na clássica peça Esperando Godot, com direção do inovador e excêntrico diretor Zé Celso Martinez.

 

Personagens marcantes


A Indomada. O ator deu vida ao ingênuo Emanoel, que no fim da trama fantástica virou um anjo


O auto da compadecida. O artista encantou o público brasileiro com o espertinho Chicó


O Palhaço. Além de dirigir o filme, Selton interpretou Benjamim, um palhaço infeliz.

 

O POVO Online

Veja vídeo da entrevista em opovo.com.br/videos

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