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O Agronegócio precisa ser prioridade
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O Agronegócio precisa ser prioridade

Apesar de colher bons resultados, falta uma estratégia nacional para o setor. É o que defende Roberto Rodrigues, coordenador de agronegócio da FGV
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Muitas vezes a raiz que segura a economia do País, o agronegócio, para Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), precisa ser tratado como prioridade. No último resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do País, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao primeiro trimestre de 2017, o setor cresceu chegou a avançar quatro vezes mais ante o segundo melhor segmento. E priorizar significa trabalhar políticas públicas que protejam o pequeno produtor para garantir o consumo alimentar urbano. Como coordenador do Conselhão do Agronegócio no governo Michel Temer (PMDB), ele acredita que o setor, após mais de 40 anos, está sendo tratado como merece. Apesar de aconselhar na política atual, não voltaria a atuar no setor público. A experiência como ex-ministro no primeiro mandato do governo Lula foi “muito dura”. Mais difícil ainda foi ver o agronegócio, por meio da JBS, envolver-se em corrupção. Mas, ele se mostra esperançoso. Vê no Ceará um exemplo de convivência com a seca e, no Brasil, o futuro que garantirá a segurança alimentar no mundo.

 

O POVO - O senhor se formou na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq- da Universidade de São Paulo), mesma instituição de seu pai (Antônio Rodrigues, ex-secretário de Agricultura de São Paulo no governo de Abreu Sodré - 1967 a 1971). Diria que seu destino foi traçado para o agronegócio?

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ROBERTO RODRIGUES - A história é interessante. O pai era agrônomo, tinha irmão agrônomo, cunhado agrônomo, minha mãe era filha de agrônomo, tinha três irmãos, os três eram agrônomos. Tenho uma irmã só, casada com um agrônomo, tenho dois filhos agrônomos, já tive uma mulher agrônoma, que tiveram dois filhos agrônomos, então não é uma família sem imaginação, é uma história curiosa, porque eu passei a vida inteira escutando, desde criança, morando na roça, do meu pai, dos amigos dele, dos colegas dele comentarem a necessidade de que a agricultura tenha política agrícola, tenha estratégia, que garanta a sobrevivência do produtor rural. Porque é uma atividade que está sujeita a dois fatores incontroláveis: clima e mercado. É preciso que os governos se preocupem com a agricultura para que haja estabilidade da atividade produtiva, para que haja bastante alimento para a produção urbana. Então, os países desenvolvidos não dão subsídios para o produtor, porque ele é bonitinho. Não! É porque é a única forma de ter alimentação para todo mundo. A visão dos países desenvolvidos é proteger a agricultura para que o consumidor esteja protegido. A origem desse conceito remonta à II Guerra Mundial, quando a Europa passou fome, porque com os cercos que havia nos países durante as invasões da Alemanha aos países da Europa Ocidental faltou comida. Terminada a guerra, depois se criou a União Europeia. Naquele tempo era Comunidade Econômica Europeia.

Decidiu-se que nunca mais haveria fome no continente e para isso é preciso criar mecanismos de proteção à agricultura e subsídios que mais tarde os americanos copiaram. O New Deal do Roosevelt também na mesma direção, o Japão também... E o mundo desenvolvido hoje protege agricultores para garantir alimentação à sociedade urbana. Isso é uma coisa importante de ser clareada, não é proteger a agricultura por si, mas tem que defender o consumidor.

 

OP - Qual política agrícola é necessária para o País?

 

ROBERTO - É necessária uma estratégia ampla, que contemple políticas públicas e ações privadas. Nas políticas públicas há três ou quatro temas relevantes. A primeira, sem dúvida nenhuma, é a política de renda. E aqui entra o crédito rural, o seguro rural, preços mínimos, mecanismos de comercialização, que garantam a renda do setor de maneira ampla, como o mundo inteiro faz. O segundo é a questão da logística de infraestrutura.

Você tem regiões no país hoje com oportunidades maravilhosas, fazendas altamente produtivas, mas quando o caminhão sai da fazenda perde a produtividade. Um saco de milho no norte de Mato Grosso custa R$ 17. No Paraná custa R$ 16. O transporte é quase o preço da produção. Então, tem de melhorar muito a logística no Brasil. O terceiro tema é política comercial internacional. Hoje, para se ter uma ideia, 40% do comércio mundial de alimentos ocorrem no âmbito de acordos bilaterais, entre países ou grupo de países. Nós não temos acordo bilateral com ninguém.

 

OP - Temos que ir quanto além do Mercosul?

 

ROBERTO - O Mercosul é 2,5% do nosso mercado. É insignificante. Então, temos que ter acordos comerciais com três consumidores: países asiáticos - China, Índia - e União Europeia. Hoje somos grandes exportadores mundiais de sete commodities agrícolas: açúcar, suco de laranja, café, carne de frango, complexo de soja, tabaco, segundo em carne bovina, segundo em milho, quarto em carne suína e crescendo em algodão, frutas, orgânicos, etc. Podemos crescer muito mais, mas falta estratégia. Falamos aqui de política de renda, política logística e política comercial. O quarto é política de tecnologia. Tecnologia é central. E hoje o Brasil, felizmente, tem a melhor tecnologia tropical do mundo.

 

OP - Temos tecnologias, mas há muitos institutos que estão sucateados...

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ROBERTO - Exatamente... Porque os governos... A agricultura é uma atividade de resultado de longo prazo. Para desenvolver uma variedade nova de cana-de-açúcar demoram quinze anos. Então os governos não querem saber de coisas que demoram muito tempo, não faturam, e com isso vai ficando para trás o processo. Mas, mesmo assim, nossas pesquisas nas universidades estão avançando de maneira espetacular. Os números são impressionantes. Tem um número sobre sustentabilidade que me encanta. Nos últimos 25 anos, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 53%. E a produção de grãos cresceu 263%, cinco vezes mais. O que é isso? Mais produtividade por hectare. Então já é um dado extraordinário sobre tecnologia, mas por trás dele, tem um dado mais relevante ainda. Nós cultivamos no Brasil hoje 60 milhões de hectares cobertos. Se tivéssemos, hoje, a mesma quantidade de 25 anos atrás seriam necessários mais 79 milhões de hectares para cobrir a safra desse ano. Em outras palavras, nós preservamos os 79 milhões de hectares.

Então, é uma agricultura sustentável. E não é promessa, não é sonho, não é uma coisa romântica. Fizemos! Está feito! Qual o país que fez isso aí? Além disso, o Brasil tem 61% do seu território preservado com florestas nativas, na Europa tem 3%. Então nós somos um país altamente sustentável na agropecuária. Então, tecnologia, política de renda, política comercial e infraestrutura logística são fatores centrais. Sem falar no custo Brasil. Reforma trabalhista, previdenciária, juros, câmbio, têm burocracias são recorrentes na história contemporânea que têm de ser resolvidas e que o governo está olhando agora muito de perto.

 

OP - O senhor é a favor do jeito que a reforma trabalhista e da previdenciária estão sendo postas pelo governo atual?

 

ROBERTO - Eu acho que é fundamental flexibilizar as condições do trabalho para gerar emprego. O grande problema do Brasil hoje é a falta de emprego. Têm mais de 15 milhões de desempregados. Isso é um grande drama do Brasil.Tem que gerar emprego e eu acredito que a flexibilização, a reforma trabalhista, vai permitir que isso aconteça. Então eu estou torcendo nessa direção. Eu não acho suficiente, tem que melhorar muito mais coisa do que isso, mas também não basta só a questão da política pública, o setor privado também tem que fazer a parte dele. Na área de gestão, comercial gestão financeira, tributária, fiscal, recursos humanos, gestão ambiental.

 

OP - O setor privado tem de depender menos do Estado? De subsídios?

 

ROBERTO - Tem de depender menos do Estado. Aliás, é isso que faz do agronegócio brasileiro a força que ele tem hoje. Ele depende menos do Estado do que os outros países e do que outros setores da economia.

Indústria automobilística, por exemplo, ela depende de tributação privilegiada. Então, o agronegócio brasileiro é muito menos dependente do Governo, mas tem que fazer a parte dele também. E a parte principal é organizar-se. E organização econômica é o cooperativismo. Então, o fortalecimento do cooperativismo é um mecanismo de modernização das relações no campo também.

 

OP - O senhor, por ter essência cooperativista, vir do cooperativismo, tem pensamento diferente dentro do agronegócio? De quem tem o pensamento formado única e exclusivamente no capitalismo? É diferente ou não?

 

ROBERTO - Não... A cooperativa é uma empresa, também é uma empresa. Só que é uma empresa com vertente social. Porque a cooperativa, na verdade, é uma empresa instrumento de uma doutrina, que é o cooperativismo. Cooperativismo é uma doutrina cujo conceito universalmente conhecido é: a doutrina que visa o objetivo social através do econômico. Ou seja, a cooperativa tem de promover o avanço econômico do cooperado para que ele participe de escalada social e melhore as condições econômicas de sua família. Então ela tem uma visão diferente de uma empresa puramente capitalista. Realmente, tem uma diferença conceitual. Mas o que importa é o resultado final. E o resultado final é renda para que a pessoa evolua socialmente. A diferença é que na empresa o objetivo é o lucro do dono da empresa. Na cooperativa o objetivo é dar serviços para o cooperado para ele obter lucro e não a cooperativa. A cooperativa não é um fim em si. Ela é um instrumento e a empresa é um fim em si.

 

OP - Falta cultura cooperativista no Brasil?

 

ROBERTO - No mundo todo hoje existe um bilhão de pessoas filiadas a cooperativas. Se você contabilizar três dependentes para cada pessoa, são quatro bilhões de pessoas no mundo. Mais da metade da população do planeta. Nenhuma religião tem tantos seguidores assim. É a doutrina mais abrangente do mundo. No Brasil, tem seis milhões de cooperados, se puser três dependentes, dá 20 milhões de pessoas. É 10% da população do Brasil. Então ainda estamos muito aquém do mundo inteiro. Se no mundo tem 60% da população ligada ao cooperativismo e nós temos 10%, tem muito o que caminhar ainda. Então, a difusão dos valores, dos princípios, da função da cooperativa no mercado é uma função essencial.

Então, quem tem que fazer é você. Porque não adianta dizer que eu sou bonito. Se você não achar que eu sou bonito eu não vou a lugar nenhum.

 

OP - Como o resto do País enxerga o Ceará e o Nordeste em termos de agronegócio?

 

ROBERTO - Eu acho que a visão é uma visão evolutiva. Acho que o Nordeste está evoluindo muito. Eu vim visitar algumas fazendas de frutas aqui no Ceará que são exemplo não só para o Brasil, mas para o mundo inteiro. A Agrícola Famosa (Do empresário Luiz Roberto Barcelos) é um modelo extraordinário que o Brasil admira e respeita muito. Nós temos aqui também o segmento de floricultura. As cooperativas estão fazendo um papel interessante na área de leite, agregando valor. Então, eu vejo uma mudança de visão nacional em relação ao Nordeste. Antes o Brasil achava o Nordeste muito fraco, muito pouco desenvolvido na agricultura.

Isso está mudando. O empreendedorismo veio para cá com muito vigor e está fazendo um trabalho muito bem feito. Eu acho que estão de parabéns. Inclusive as cooperativas no Ceará estão indo muito bem também.

 

OP - Quais são cooperativas mais reconhecidas?

 

ROBERTO - Principalmente as urbanas, na área de crédito, e também as de leite, que tiveram um avanço espetacular. E as cooperativas médicas, como a Unimed, que têm um papel relevante aqui no Ceará.

 

OP - Pode-se dizer que o agronegócio sabe conviver com a seca? O Ceará é exemplo de soluções contra a seca?

 

ROBERTO - A seca, o clima, são temas fundamentais. Só tem dois mecanismos capazes de resolver isso: um é tecnologia. E tecnologia vai desde irrigação a variedade de culturas. Outra situação é a política pública funcionando, crédito, seguro. Isso seja no Nordeste, no País... Onde acontecem problemas climáticos violentos é preciso que haja tecnologia e política. O Ceará tem tecnologia. Fiquei impressionado vendo o que se faz com fruticultura, leite, floricultura. São exemplos de conhecimento da realidade e o acoplamento da exploração agrícola com base na realidade.

E mais, castanha de caju, áreas que têm café ainda florescendo. O Ceará é um estado muito dedicado à convivência com a seca.

 

OP - Um dos pleitos do agronegócio, que os empresários cearenses citam, é justamente a burocracia para registrar defensivos agrícolas...

 

ROBERTO - Isso é algo muito dramático. Isso é uma coisa muito horrorosa. Para você ter ideia, geralmente, as empresas internacionais que produzem moléculas de novos defensivos agrícolas buscam aqui, buscam moléculas mais sustentáveis, que façam menos agressão, porque são moléculas mais modernas, e todo mundo faz o registro delas no mundo inteiro. Aqui no Brasil, demora sete anos para registrar uma molécula nova. Então quando ela registrar ela já ficou velha. Nos Estados Unidos é em menos de um ano, na Europa são dois anos. Então, nós estamos muito atrasados no processo de reconhecimento de moléculas novas. Cria-se um vácuo tecnológico que tem de ser resolvido. Há um processo ideológico nesse negócio aí e burocrático, porque para criar uma molécula tem que passar pelo Ibama, pela Anvisa e pelo Ministério da Agricultura. E aí o cara da Anvisa ficou de férias, o do Ibama ficou doente e não resolve. Então tem que acabar com essa burocracia, isso é um negócio horroroso. A burocracia e a ideologia. Tem que interessas à ciência e ao avanço do País. Temos que fazer inovação.

 

OP - Em 10 anos, para se garantir a segurança alimentar no mundo, tem de haver um crescimento de 20% da produção agrícola no mundo. No Brasil, 40%. Nós vamos chegar a este percentual de crescimento?

 

ROBERTO - Essa é uma visão da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), não é visão nossa não. É a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e a OCDE que dizem: para que em 10 anos haja alimento para todo mundo, precisamos aumentar em 20% a produção de alimentos. Mas para que o mundo aumente 20% o Brasil precisa crescer 40%. O dobro do mundo. Porque o mundo não vai crescer nem 10% na média. Então, o Brasil tem papel fundamental nesse processo todo aí. Nós podemos! Temos terra, temos gente capaz, temos tecnologia adequada. Mas falta a tal estratégia.

Então, são aquelas coisas que te falei. Logística, política de renda, comercialização, tecnologia, reformular as legislações, o setor privado fazer o papel dele. Tem de acontecer. E isso tudo eu acho que está começando a acontecer agora. Inclusive, no Conselhão foi criado um grupo de trabalho de agronegócio e eu sou coordenador desse grupo.

Propusemos ao governo três medidas essenciais para que isso avance. A primeira delas, na área de renda, que é o seguro rural, que realmente garanta a estabilidade da atividade produtiva, seja por razões climáticas, seja por fatores de mercado. E o governo respondeu que vai fazer o seguro rural. Ficou reforçada na reunião do Conselhão essa vontade do Governo de finalmente, depois de 30 anos, fazer um seguro rural digno.

Ao mesmo tempo, assistência técnica ao pequeno produtor, para que ele receba tecnologia sustentável e consiga evoluir também. O segundo tema é o tema de comércio internacional. Nós propusemos ações que abram mercados via acordos bilaterais. E um deles é Mercosul e União Europeia, que é o que está na fila. E o Governo vai fazer isso. O ministro Aloísio Nunes Ferreira está emprenhado... A própria Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) vai entrar num grande programa de comunicação para o mundo sobre a beleza do agro brasileiro.

E o terceiro tema é logística e infraestrutura, que é essencial. Sem elas não vamos avançar. E o Governo está respondendo aos três temas. Eu estou muito esperançoso, porque o último presidente da República que colocou o agronegócio como prioridade foi o Geisel, que criou a Embrapa, mas isso faz 40 anos. Nunca mas nenhum presidente botou a agricultura como coisa prioritária e o (Michel) Temer (PMDB) colocou no Conselhão como tema central o agronegócio. Estou muito esperançoso que as coisas evoluam. Temos um ministro que conhece o assunto muito mais, Blairo Maggi... Conhece bem o assunto, tem uma equipe técnica de qualidade. O ministro da Fazenda , que é o Henrique Meirelles, era de uma empresa agrícola, do agronegócio. Eu estou com grande esperança que a gente consiga evoluir. Temos uma frente parlamentar da agropecuária muito firme, muito combativa. Temos organizações poderosas, a OCB, a CNA, a Abag... São instituições que têm peso e hoje são muito ouvidas no Congresso Nacional e no Governo. Eu acho que temos uma conjugação de fatores que pode permitir a gente ser o campeão mundial da segurança alimentar e, portanto, o campeão mundial da paz. Porque não há paz aonde houver fome. Se nós contribuirmos para acabar com a fome no mundo, vamos ser o campeão mundial da paz. Pode ter missão mais bonita para o Brasil do que essa?

 

OP - O senhor está no setor público sendo ouvido, por meio do Conselhão, contribuindo. Mas como foi atuar à frente, no Ministério da Agricultura, no primeiro mandato do governo Lula (2003 a 2006)?

 

ROBERTO - Foi uma missão muito dura, porque eu tinha sido presidente da Sociedade Rural Brasileira, da Associação Brasileira de Agribusiness, tinha presidido cooperativas de crédito, agropecuárias, tinha sido secretário do Turismo de São Paulo, tinha presidido o Fórum Nacional da Agricultura, então eu tinha clareza do que precisava fazer. Então, achei que ia chegar lá e em seis meses ia arrebentar a boca do balão. Mas foi um engano completo, porque o entrechoque de programas e projetos dentro de um governo é muito grande e eu era um ministro liberal, no governo do PT, que até então era de oposição. Estava iniciando o governo com uma visão muito mais, digamos, estatizante, do que era a minha visão liberal. Então, eu não tinha, digamos assim, uma aceitação muito grande pela área técnica, financeira do governo e foi muito sofrido. Além de não ser compreendido, nem sequer muito bem quisto, além disso, nós entramos com o dólar a R$ 4, caiu para R$ 2,50. Os preços agrícolas despencaram, os custos subiram. Nós tivemos duas secas, 2004 e 2005, que deixamos de produzir 60 milhões de toneladas em grão. Um negócio maluco. 60 milhões de toneladas em grão em menos de dois anos. Tivemos febre aftosa no Mato Grosso do Sul e 47 países deixaram de comprar carne do Brasil. A gripe avaria não chegou ao Brasil, mas ficou voando por cima da gente aí. Aí o comércio mundial de grão... Então nós vivemos uma crise financeira dificílima. Uma crise financeira no agro, a maior dos últimos 60 anos. E não havia dentro do governo um desejo político de arrumar isso. Eu passe um período muito difícil.

 

OP - Como o senhor lidava com lobbys?

 

ROBERTO - Lobby é uma contingência de democracia. É legítimo, faz parte da democracia, e quem grita mais é quem está sofrendo mais. Então você tem uma tendência a atender grupos, porque são mais barulhentos, mais vigorosos na reclamação, sem olhar o conjunto. Se você não tiver uma visão muito clara do conjunto você se perde nas reclamações. Eu, como tinha já 50 anos de história na agricultura, já conhecia bem os problemas e sabia como enfrentá-los. Mas o duro era resolvê-los. Assim mesmo eu consegui fazer a lei da biossegurança, acabando com o drama que os transgênicos eram ilegais no Brasil. A lei de biossegurança, com o apoio da bancada ruralista, permitiu avançar décadas. Fiz a lei dos produtos orgânicos também, fiz a lei dos novos documentos com inserção... Hoje, no crédito rural, 1/3 dos créditos rurais foram dos documentos que eu fiz. CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio), LCA (Letras de Crédito do Agronegócio), tudo fui eu quem criou no meu tempo. Então, o resultado do meu trabalho agora que está aparecendo.

 

OP - Falando em produto, qual a visão do senhor da operação Carne Fraca da Polícia Federal? A imagem do agronegócio se recupera?

 

ROBERTO - Foi muito ruim, porque foi um erro de comunicação. O Brasil tem mais de 4,8 mil frigoríficos e teve 21 com problemas. Problemas de fiscalização. O fiscal foi comprado pelo frigorífico? Prende o fiscal e fecha o frigorífico. Mas a Polícia Federal fez um escândalo com a informação e confundiu a opinião pública, dizendo que a carne brasileira que não prestava. Mas não era a carne brasileira e sim aquele frigorífico que não prestava. Aquele fiscal que era ladrão. Prende esses caras e acaba com o problema. A carne brasileira é a melhor do mundo, é uma carne verde.

Nós não temos confinamento de 24 horas por dia, por quatro anos. O boi fica no pasto o tempo inteiro, tem só complementação alimentar. Então, é um boi ambientalmente sustentável. A carne brasileira é maravilhosa. Mas essa comunicação errada, da forma muito vaidosa de mostrar as coisas, levou a uma perda de mercado e isso é um desastre. Você não conquista um mercado de graça, tem que investir, tem que conquistar o mercado com credibilidade, gerar confiança. Os países consumidores reconhecem nossa qualidade e o governo foi muito hábil. O ministro da Agricultura fechou frigorífico, demitiu fiscal... E tinha que fazer isso rápido. Estancou a sangria e o mercado voltou a funcionar. Mas houve uma perda não resolvida ainda. Alguns países continuam com alguma dificuldade. Até porque o interesse dos países é contra nós. O concorrente fica esperando um erro desse para tripudiar em cima da gente.

 

OP - Como ganhar credibilidade?

 

ROBERTO - Cada vez mais fiscalização, mais cobrança e mais eficiência pública e privada.

 

OP - As cooperativas se fortaleceram após a revelação dessa operação?

 

ROBERTO - As cooperativas ficaram à margem desse processo, porque elas têm um sistema muito rigoroso. A cooperativa não pode ter caixa dois, a cooperativa não pode ter corrupção. Porque o cooperado é dono e usuário dela. Então se ele roubar ele estará roubando dele mesmo. Então a cooperativa tem que ser correta. E isso é uma marca do Brasil muito clara, reconhecida mundialmente. As cooperativas se safaram desse processo de maneira muito mais tranquila. Não obstante, como o mercado tinha refluído, houve impacto.

 

OP - Como o senhor enxerga esse processo da Lava Jato?

 

ROBERTO - A Lava jato maior e mais importante novidade política do Brasil, porque está com todo mundo com a clareza de que isso vai passar o Brasil a limpo. E eu vejo a sociedade feliz com a Lava Jato. A sociedade está contente com a Lava Janto. Está na hora de colocar isso em pratos limpos e os políticos têm que ser punido de uma vez por todas. Acho que tem que ser estimulada, alimentada, doe a quem doer, chegue a quem tiver de chegar. O que me preocupa é uma única coisa: misturar todo mundo na mesma.. com essa lista recente do ministro Fachin, que coloca o cara que roubou R$ 300 milhões , com o cara que ganhou R$ 30 mil para a campanha eleitoral. Então, é muito perigoso também em que haja uma desinformação e que todo mundo seja colocado no mesmo balde.

Tem de separar o joio do trigo e punir quem tem de ser punido. E recuperar a imagem de quem foi de alguma forma afetado pelo processo, mas a Lava jato é essencial para o futuro do Brasil. Só assim construiremos uma política honrada, descente, no nosso País.

 

OP - Como o senhor enxerga o Lula na Lava Jato? Estão pegando pesado ou não?

 

ROBERTO - A Lava Jato tem que procurar esclarecer todos os problemas que sejam levantados. Esclarecido o problema, decide: tem culpa, paga, não tem culpa.

 

OP - O senhor prefere não falar sobre sua visão do Lula nesse processo?

 

ROBERTO - Cabe à Lava Jato tomar essa decisão aí. Eu defendo a tese de que não importa quem seja a pessoa investigada. Se há alguma dúvida, tem de investigar. Não importa quem seja. Se tiver culpa, pague a culpa. Se não tiver, seja liberado e tenha sua imagem privada

 

OP - O senhor atuaria novamente no setor público, à frente?

 

ROBERTO - Eu estou com 75 anos de idade quase já, já cumpri meu papel e acho que posso ajudar muito mais na atividade rural, que é minha paixão na vida e o cooperativismo, pela academia, como faço hoje. Acho que na academia tenho condição de ajudar, muito mais pelo ponto de vista conceitual e de valores e princípios do que na operação propriamente dita. A operação fica para os jovens.

 

OP - O presidente Michel Temer foi citado nas delações premiadas da JBS. O senhor acha que a solução para não atrapalhar a economia do País passa pelo impeachment?

 

ROBERTO - Olha, eu não entendo quase nada de política. Entendo um pouco, claro, que há atrapalhação. Eu acho que há o problema de atraso nas reformas. Mas acho do ponto de vista agricultura, que é do que eu entendo... Muito importante para o agronegócio é gerar competitividade.

Por isso, para nós, são importantes as reformas tributária, fiscal, trabalhista. Tudo melhoraria a condição de competitividade do agronegócio. Segundo, o plano de safra vai ser anunciado terça que vem (amanhã). Nós estávamos contando que ele seria anunciado e seria melhor com taxa de juros bem menores. Taxa de juros real de 3% cima da inflação, no máximo. Já sabemos que não vai ser assim. O plano safra vai ser prejudicado, porque essa questão política vai afetar. Por outro lado, o que é a economia? É ciência, atividade, que é baseada em coisas sólidas, em coisas concretas. Temos safra recorde de grãos, uma boa safra de cana-de-açúcar, uma importante de carne em geral. Apesar da Carne Fraca da JBS, temos estoque de carne para enfrentar qualquer demanda no mundo inteiro. Apesar de que a agricultura vai sofrer.

Seremos o setor vai salvar o PIB. Afinal, 80% do ganho do PIB (anunciado na última quinta-feira) se deu no agronegócio. E a safra recorde não é sonho é real, é economia.

 

OP - Qual a sua opinião sobre grandes empresas do agronegócio, como a JBS, estar envolvida em corrupção?

 

ROBERTO - Isso é uma barbaridade! Mas, a gente, quando viu a delação da Odebrecht, achou que ia chegar no fim do mundo e não chegou. E não vai ser com a JBS. O fato é que no Brasil a nossa grande esperança é a Lava Jato. Isso vai passar o Brasil a limpo. A esperança que nós temos, toda a expectativa está nessa catarse. A sociedade brasileira não suporta mais corrupção. Acredito que vamos ter solução de médio prazo salvadora.

 

OP - O que o senhor deseja realizar daqui para frente?

 

ROBERTO - Eu estou hoje em 28 conselhos de empresas, de instituições, de academias, eu pretendo trabalhar enquanto quiserem que eu trabalhe.

Enquanto eu for útil, eu pretendo trabalhar. Eu tenho uma grande ambição na minha vida. Que meus netos digam aos netos deles, que o avô deles lutou até o ultimo dia da sua vida, e eu não tenho pressa nenhuma que isso chegue, para que o Brasil seja campeão mundial da segurança alimentar e o campeão mundial da paz. Essa é a maior glória que um País pode ter e eu quero trabalhar para essa glória enquanto a luz tiver acesa e não quero que ela se acabe tão cedo.


Perfil

Roberto Rodrigues é engenheiro agrônomo e agricultor, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), embaixador Especial da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para as Cooperativas e presidente do Lide Agronegócios. Participa de cerca de 28 conselhos empresariais, institucionais e acadêmicos. Foi professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal. Foi presidente do Conselho Superior do Agronegócio (Cosag) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), da Sociedade Rural Brasileira (SRB), da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), da Academia Nacional de Agricultura (SNA) e da Aliança Cooperativa Internacional (ACI). Na política, foi secretário de Agricultura do Estado de São Pauto (1993-1994) e Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no primeiro mandato do governo Lula (2003/2006).

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PERGUNTA DO LEITOR

 

Flávio Saboya, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará

 

PERGUNTA - Como agregar valor aos produtos exportados?

Roberto - O Brasil exporta praticamente 30% do café em grão no mundo.

E menos de 2% de café torrado e moído. Quem é o grande produtor de café torrado e moído? A Alemanha, que não tem um pé de café. Segundo é a Itália, que não tem um pé de café. Que eles fazem? Compram café, fazem um blend e nós compramos aquelas cápsulas caríssimas, feitas com café do Brasil. Vamos torrar e moer café aqui? Não! Se não houver acordo entre governos, essa coisa não acontece. Café em grão não tem tarifa, mas café torrado e moído tem tarifa e inibe o produto de entrar no mercado lá, para proteger o produtor de café torrado e moído de lá. Então não adianta fazer uma indústria aqui se você não fizer um acordo. Então, tem de conversar com o governo do outro país para permitir que as coisas aconteçam. 

 

Multímidia

leia íntegra da entrevista http://bit.ly/2qVfRBy


Veja entrevista de Roberto Rodrigues ao programa O POVO Economia Especial Cooperativismo no dia 6/7 às 23h na TV O POVO (48 na TV aberta, 23 Multiplay, 24 NET e www.tv.opovo.com.br)

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