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Régis Eric Maia Barros: E se a maconha funcionar?
Opinião

Régis Eric Maia Barros: E se a maconha funcionar?

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Recentemente, duas decisões judiciais (Ceará e Distrito Federal) movimentaram as discussões sobre a maconha e seu uso medicinal. Em ambas, a justiça autorizou que a maconha fosse usada pelos requerentes e plantada nas suas próprias residências. Portanto, abre-se uma jurisprudência para o uso da maconha para fins terapêuticos.


Essa discussão traz uma legião de pessoas apaixonadas que defendem o uso irrestrito dessa substância ou que apoiam que ela seja proibida para todos os fins. Infelizmente, essa dicotomia, tão presente na atual realidade brasileira, limita um debate sobre a questão. Muitas pessoas usam a maconha para fins terapêuticos. Portanto, negar que alguns dos seus alcaloides tenham propriedades terapêuticas é uma forma de se manter cego frente a dados concretos. Percebemos sim que esses alcaloides são armas terapêuticas, inclusive, em situações clínicas caracterizadas como refratárias.


Eis que a discussão se afunila e os críticos questionam que o “certo seria permitir, somente, o uso de medicamentos com os alcaloides que já têm comprovações científicas”. No entanto, a vida prática de quem sofre não tem espaço nem tempo para aguardar as fosforilações de tais teóricos.


Quem padece hoje e sofre agora tem pressa. A dor acontece no presente. Nos dois casos, em que as decisões judiciais atuaram, os requerentes tiveram alívio com o uso da maconha. Isso foi provado nos autos, inclusive com documentação médica especializada. Isso basta! Essas pessoas não estão querendo plantar maconha para vender em bocadas próximas das suas residências. Elas lutaram pelo direito de sair da clandestinidade. Elas poderiam manter o uso escondido da maconha, alcançando o alívio das suas dores, porém os requerentes, corajosamente, provocaram o Estado a participar disso.


Alguns responderão que o certo seria obrigar o Estado brasileiro a comprar e importar as medicações citadas acima. Como se isso fosse rápido, simples e barato. Como se as pessoas pudessem esperar por meses em face dessa tese teórico-científica. Até lá, eles deveriam conviver com as dores diárias insuportáveis ou manter as 30 convulsões por dia. Isso é justo? Isso é ético? Isso é científico?


Eles, os requerentes, plantaram e ofertaram aos enfermos a maconha fumada a qual aliviou, sobremaneira, o problema. Ponto final! Foi isso que a justiça acertadamente percebeu. Qualquer coisa, além disso, é usar do discurso científico para empobrecer o humanismo.

 

Régis Eric Maia Barros

regisbarros@usp.br

Médico psiquiatra; mestre e doutor em Saúde Mental -Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP)

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