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Sofia Lerche Vieira: "Tecendo a manhã da educação"
Opinião

Sofia Lerche Vieira: "Tecendo a manhã da educação"

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Em “Tecendo a Manhã”, o poeta João Cabral de Melo Neto descreve o movimento do nascer ao clarear do dia, tecido pelos gritos de galos que, em sintonia não planejada, constroem a manhã. Para além da magistral arquitetura do verso, o texto comporta uma analogia com o processo de cooperação humana, contribuindo para refletir sobre este elemento estratégico ao sucesso de uma política pública.

 

O que explica o fato de que algumas boas iniciativas permanecem e outras não? No fim dos anos noventa, Judith Tendler, pesquisadora norte-americana recentemente falecida, estudou programas dos governos Tasso Jereissati e Ciro Gomes. Em “Bom governo nos trópicos” (2002), a autora credita o sucesso dos mesmos ao compromisso e reconhecimento dos agentes públicos, bem como à descentralização de ações públicas. Com Lúcio Alcântara, boas práticas tiveram continuidade e aliaram-se à “gestão por resultados”, estratégia de validação de avanços necessários durante a vigência de um acordo com o Banco Mundial.

 

Tais condições, aliadas à cooperação financeira e técnica entre o Estado e os Municípios, criaram condições propícias a outras ações. Uma delas foi a criação do Comitê Cearense pela Eliminação do Analfabetismo Escolar, iniciativa conjunta da Assembleia Legislativa (capitaneada pelo então deputado Ivo Gomes), Secretaria de Educação e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), à qual se somaram inúmeros outros parceiros.

 

Inspirado nas boas práticas de gestão iniciadas em Sobral, o relatório do trabalho desenvolvido pelo Comitê (2006) mostrou um caminho a percorrer. O que vem depois, é bem conhecido de todos: o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), ícone da política educacional do Ceará.

 

Ao comemorar, com razão, dez anos desta bem-sucedida política, é oportuno lembrar que os resultados de hoje são fruto de um longo processo de maturação, em que se construiu uma robusta rede de colaboração e uma mobilização pela educação. O Paic é motivo de orgulho e deixou importante legado. Mas é preciso ter humildade. Tal como nos dizia o escultor de palavras pernambucano, “um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro (...) para que a manhã, desde uma teia tênue se vá tecendo, entre todos os galos”. Governos passam, princípios permanecem. A manhã da educação, apenas começa a entretecer-se. Luz balão.

 

Sofia Lerche Vieira

sofialerche@gmail.com

Pesquisadora do CNPq e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece.

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