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Luciano Maia: "O poema emblemático"
Opinião

Luciano Maia: "O poema emblemático"

Hoje, o soneto, escrito em praticamente todas as línguas do planeta, não deixa de ser ainda o Dolce stil nuovo
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Não cuidamos de que podemos respirar o clima do soneto ao caminharmos pelas ruas e praças de São Paulo, hoje.

 

Não? O Senhor Lentini, de trato cortês e modos cavalheirescos, taxista na Pauliceia, mais de 30 anos na profissão, me surpreende com o seu depoimento de bisneto de um certo Signore Lentini, da cidade homônima, não distante de Siracusa, na Sicília. Fica na planície catânia, região onde se encontram inúmeros e valiosos vestígios da civilização grega na ilha. Lentini foi a antiga colônia de Leontínoi; como o próprio nome indica, trata-se de algo entranhadamente grego. De fato, todo o leste da Sicília foi conquistado e influenciado pela cultura grega.


Voltando a São Paulo: o Sr. Lentini me narrou a ida, até a sua cidade natal, do seu irmão que fez questão de conhecer – isso já há mais de cinquenta anos – o local onde tinha o seu bisavô uma herdade com o nome da família estampado no portão principal da fazenda. “O meu irmão fez várias fotografias... de joelhos, chorou em frente à casa do nosso bisavô”, relatou-me o Sr. Lentini.


Foi justamente aí que me ocorreu lembrar do soneto! Essa forma métrica foi “inventada” ou descoberta, talvez venha a dar no mesmo, no século XIII por Jacopo da Lentini (1210-1260), natural daquela cidade siciliana, notário da Corte de Frederico II da Sicília. Segundo o testemunho de Dante Alighieri, trata-se do mais ilustre autor da Scuola Poetica Siciliana. Que parentesco poderá haver entre o cordial taxista e o idealizador do soneto? Importa menos que a narrativa que me fez lembrar, além daquele notário notável, precursor do soneto em todo o mundo, também os grandes sonetistas de São Paulo, como Guilherme de Almeida e, presentemente, de Paulo Bomfim, hoje do alto dos seus noventa anos completos e autor de uma magnífica, imensa obra, poeta admirado por quantos respeitam e consideram a poesia um dos mais elevados cultos ao saber humano humanizado.


Jacopo da Lentini, o notário do Purgatório (Canto XXIV) da Divina Comédia, escreveu em siciliano depurado de localismos, no século XIII. Hoje, o soneto, escrito em praticamente todas as línguas do planeta, não deixa de ser ainda o dolce stil nuovo, sempre remoçado, de gerações em gerações. Em São Paulo também, claro.


A fidalguia de um taxista foi responsável por uma memória preciosa, desde Jacopo da Lentini até os dias de Paulo Bomfim, dois emblemáticos poetas que escrevem a “poesia em traje a rigor”. 

 

Luciano Maia

memoria-das-aguas@uol.com.br

Membro da Academia Cearense de Letras

 

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