Meses depois, lá estava eu, com minha filha mais velha – um ser humano com 57 cm, pesando menos de três quilos e poucos dias de nascida – , mergulhada numa banheira cheia de água com sabonete, depois de escorregar por entre meus dedos finos. Aos prantos, socorri a menina engasgada correndo pela casa à procura do meu marido. Foi o minuto mais complicado da recente maternidade. Ele suspendeu o bebê, intuitivamente. A cor roxa do corpo da nossa filha foi enfraquecendo à medida que o choro ia reverberando pelos cômodos. Quando tudo parecia entrar nos eixos, ele falou o seguinte: “Vamos já para a casa da sua mãe, antes que você faça uma arte com essa menina”. Achei que era tudo muito simples, muito fácil. E realmente parece.
Ultimamente, tenho tido uma imensa dificuldade com uma nomenclatura recorrente e com a qual parecia apaziguada. Eram termos que, ao ouvir, julgava compreendê-los. Por exemplo, a palavra justiça. Quando escutava ou lia essa palavra, vinha em minha mente a imagem de um facho de luz, um caminho reto. Sentia, do ponto de vista de uma percepção interior, a noção exata do equilíbrio, da sensatez, da correção. Meu Deus, como essa palavra naufragou sem que nada nem ninguém a sustentem.
A outra palavra é ódio. A gente até brincava com o termo. Dava para dizer sem problemas: “tenho ódio de suco de murici”, “odeio fila para fazer as unhas, menina”, “odeio atraso de médico”, essas bobagens. Agora, ódio parece ter se transformado em Ódio. É um sentimento novo com um nível letal desconhecido. Todos os dias marco palavras cujos sentidos de tão incorporados, pareciam banais. A lista está crescendo rapidamente. A vida está cada vez mais complexa nesse emaranhado de palavras novas.
Regina Ribeiro
reginah_ribeiro@yahoo.com.br
Jornalista do O POVO