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Como nascem os pais
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Como nascem os pais

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Quando ouviu o choro de Jonas e o pedido de amparo, o engenheiro de pesca Sasha Ribeiro Barroso, 47 anos, sentiu o filho pela primeira vez. O abraço se fez cordão umbilical entre os dois e, contrariando todas as probabilidades, Sasha pôde experimentar uma espécie de gravidez. Daquele instante em que acalentou Jonas Ribeiro Barroso, dez anos, Sasha passou a ter, em si mesmo, uma segunda vida. “Fiquei grávido e não sabia. E passei alguns meses grávido sem saber!”, sorri.


Filho é sentimento, ultrapassa o corpo. E Sasha sempre desejou a paternidade: ele lembra que se fazia pai dos sobrinhos e dos filhos dos amigos. Insistiu ainda com as namoradas, mas elas sempre ponderaram: primeiro, a faculdade; depois, o emprego; agora, o mestrado; e filho tinha que ser o biológico, feito apenas palavra em dicionário. “Não existe a data certa (para ser pai). Acho que está dentro da gente, dentro do coração”, extrai Sasha. “A gente nunca está preparado para ser pai, para ser mãe. Se prepara depois que vem”, completa-se.


Aos 44 anos, o engenheiro de pesca — que nunca estava em casa nos fins de semana e levava a vida na garupa da moto — decidiu adotar uma criança. Seria a maior aventura de todas porque acontecia de dentro para fora e ele estava disposto a realizá-la por inteiro: “Se não tem ninguém pra ir comigo, eu vou sozinho”. Então, no caminho, Sasha conheceu a unidade infantil da Casa Sol Nascente, uma instituição para crianças que vivem ou convivem com o vírus HIV. Ele buscava respostas para questões pessoais sobre adoção, carregava as dúvidas do mundo, quando Jonas o abraçou. “Foi muito emocionante, sabe? Era como se ele já fosse meu, era como se fosse um pedaço de mim”, envolve-se.

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A gravidez de Sasha, ele brinca, durou cinco meses. Foi o tempo de reuniões, entrevistas, cursos, visitas. À revelia dos protocolos, Jonas chamou Sasha de pai antes mesmo de saber que seria adotado por ele. O menino tinha, então, a certeza própria dos sete anos de idade. Sasha, por sua vez, acredita que eles nasceram um para o outro. “É muito difícil de explicar. Eu acredito que exista uma pessoa pra cada pessoa no mundo. É como se o Jonas fosse a pessoa que alguém fez ser gerado pra mim”, abriga.


A adoção significa a paternidade, é palavra que respira, move, cresce. E, além de substantivo, torna-se verbo na prática. “Adotar é vida. É uma vida que eu tenho a mais, além da minha... A gente deseja uma criança, mas a gente tem o que a gente precisa”, compreende Sasha, a partir da relação de amor que tece com o filho. Contaram-lhe que Jonas “era impossível”, o menino mais danado de todos. Mas, a cada dia de pai, Sasha descobre as camadas que compõem um ser humano — há mais possibilidades, afinal. “Ele é maravilhoso pelo simples fato de estar respirando do meu lado. Por mais danado que ele seja, ele é carinhoso. Eu estive, estes dias, gripado. E ele chegava com mel para me dar e disse: ‘Pai, se não for eu cuidando do senhor, ninguém vai cuidar’”, soma.


Estabeleceram-se um cuidado e uma confiança mútuos desde quando Sasha e Jonas se conheceram. Os medos, porque são partilhados, tornam-se menores. Ao longo do tempo, talvez, não seja preciso dizer muito; basta ainda haver o abraço. Trata-se de um exercício cotidiano e incansável de amor, simplesmente: pai e filho doam um ao outro o que lhes é único — tantas vezes o descanso, as horas, os pertences.


Jonas viveu em uma instituição dos três meses aos sete anos de idade. Sasha esperou incontáveis domingos por ele, até que, em certo agosto, o menino lhe deu o primeiro Dia dos Pais. “Ele pegou um dos brinquedos comunitários e disse: ‘Pai, esse aqui é o seu presente. Ainda tenho, lá em casa, um bonequinho quebrado. É o melhor presente que eu já ganhei”, emociona-se o engenheiro de pesca que nunca mais dormiu até depois das seis horas da manhã. “Todos os dias, feriados, dias santos... Porque tenho que preparar o nescau dele”, dispõe-se.


A vida mudou completamente, ele reconhece, desde quando Jonas lhe pediu, com o olhar, que o levasse consigo. “Será que eu tinha que escolher melhor? Mas, na verdade, eu fui escolhido e escolhi ao mesmo tempo. Não tinha como ser outra criança”, abarca Sasha. “Quando a gente vê a necessidade de carinho, de amor, de alguém para protegê-lo, aí que a gente começa a notar o que um pai tem que ser ou fazer... Ninguém me disse (o suficiente para adotar, ser pai de Jonas). Eu senti. Era o meu filho e eu tinha que adotá-lo. E eu não me arrependi”. Assim nascem os pais.

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