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Comércio de Judas. Entre a tradição e a molecagem
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Comércio de Judas. Entre a tradição e a molecagem

Ambulantes aproveitam movimentados cruzamentos de Fortaleza para vender bonecos de Judas, antecipando a tradicional brincadeira do Sábado de Aleluia
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A calçada sempre foi vitrine para o trabalho que Xuxa do Sinal, 42 anos, aprendeu a fazer desde que era adolescente: vender. Foi ali no cruzamento das avenidas dos Expedicionários e Borges de Melo que ele passou a comercializar frutas da época e outros artigos de venda fácil na ligeireza entre o vermelho e o verde do semáforo. Mas nunca, nem nas ideias mais malucas, Xuxa se viu negociando bonecos de pano ao tamanho natural na pressa do trânsito. A molecagem mostrou caminho.


Começou por acaso. Certo dia, ele resolveu levar um boneco de Judas para a barraca perto do cruzamento onde trabalha. A investida era para atrair a atenção dos motoristas para as frutas que oferecia. A ideia funcionou, mas ele perdeu o Judas. “A ‘negada’ gosta de fuleiragem, né? Você sabe. Passou uma pessoa e perguntou quanto era. Aí nós vendemos”.


No outro dia, vendeu outro. Depois mais um. No ano seguinte, Xuxa já tinha se juntado com um amigo de vendas para produzir os bonecos traidores em larga escala. E lá se vão mais de 15 anos, sempre no mesmo lugar. “É quando a gente consegue tirar um dinheirinho melhor. Esses bonecos são o nosso 13º (salário) no meio do ano”, anima-se.


Mas é preciso alguma organização. Ele e o sócio, Alberto Carlos Fernandes, o Véi, começam logo cedo a recolher material para a manufatura dos bonecos. A primeira coisa é visitar brechós para comprar os paletós que cobrem as vergonhas de retalhos dos bonecos. Depois começa a maratona de preparação. Um faz o corpo; o outro prepara os cabelos, trata bem do rosto, como um Deus que molda o homem. A feitura, no entanto, não dura uma semana, como a do Criador nos tempos do “faça-se a luz”. Precisa ser mais rápida.


“Com os dois trabalhando, a gente consegue fazer um boneco em dois dias. O mais trabalhoso é o acabamento”, ensina Alberto Carlos. Depois, as criaturas já ficam muito confortáveis em cadeiras de plástico na calçada esperando compradores.


O destino não é muito auspicioso, é verdade. Os Judas, por tradição, são queimados no Sábado de Aleluia, após a leitura de um testamento em que os poucos bens (as roupas, os sapatos e toda sorte de objetos fictícios) são distribuídos entre os participantes da “brincadeira”. Por natureza, uma forma de extravasar as mágoas atribuídas aos traidores, como fora o personagem bíblico homônimo com a figura de Jesus Cristo.


O interessante é a ligação que muitos clientes fazem entre os bonecos traidores e os políticos brasileiros. Xuxa conta que a procura pelas figuras públicas é sempre muito comum, mas ele não faz os personagens. Quer fugir de confusão. “A gente fez uma vez uma boneca de uma política conhecida de Fortaleza, mas deu problema. Passaram aqui numa kombi e tomaram a boneca”, lembra. Por precaução, os bonecos têm aparência humana, mas nenhum representa uma pessoa específica. Qualquer semelhança com conhecidos é uma mera coincidência.


Bonecos

Distante dali, na nova rotatória da avenida Raul Barbosa, o ambulante Luciano Cavalcante, 37, também viu prosperar a ideia de vender Judas na rua. Tanto que ganhou nova alcunha: Zé do Judas. “O pessoal passava aqui e gritava ‘ei, Zé do Judas!’, aí pegou”, refaz.

 

As brincadeiras de dentro dos carros são medida para saber se os bonecos vão ter boa venda. Não é difícil ver gente cutucando o carona e apontando semelhanças com um primo, um conhecido, um colega de trabalho. “Chega cliente aqui com a foto da pessoa e pede pra gente fazer um boneco igual. A gente faz, mas é morrendo de medo”, confessa.


Nos 18 anos que trabalha com a manufatura dos Judas, Luciano nunca se viu em confusão. Tirando o dia em que viram um cliente colocar o boneco no porta-malas de um carro, já à noite, e confundiram com caso de Polícia. Viaturas foram acionadas, o cliente foi abordado. Depois de muita apreensão e de uma rápida revista, notaram que ocorrência denunciada não passava de uma dessas brincadeira comuns nestes tempos de abril. Ainda bem.

 

SERVIÇO

 

Vendedores de Judas

Xuxa do Sinal

Onde: cruzamento das avenidas dos Expedicionários e Borges de Melo

Quanto: de R$ 60 a R$ 80

Contato: 9 8944 9266


Zé do Judas

Onde: rotatória da avenida Raul Barbosa

Quanto: de R$ 250 a R$ 300

Contato: 98608 7480

 

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