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Antoine Colmet. Secas e cheias cada vez mais extremas
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Antoine Colmet. Secas e cheias cada vez mais extremas

Cotidiano: Diante de mudanças climáticas, o pesquisador francês Antoine Colmet-Daage fala sobre os impactos no Nordeste brasileiro. Segundo ele, a tendência é a "extremização" dos fenômenos
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[FOTO1] Embora desenvolva tese de doutorado em hidrologia e meteorologia na França, na Universidade de Montpellier, com financiamento da WSP France, Antoine Colmet-Daage, 26 anos, tem conhecimento detalhado sobre as bacias hidrográficas cearenses. Isso porque Antoine viveu 11 anos no Brasil, antes mesmo de ingressar na graduação em seu País natal.  

A experiência no Brasil contribuiu para a decisão de voltar ao País em 2014, quando teve de fazer estágios de mestrado. Aqui, ele optou por caminhar pelo Nordeste e estabelecer a relação entre hidrologia, meteorologia e qualidade da água nos açudes Orós e Castanhão, no Ceará, e Armando Ribeiro, no Rio Grande do Norte.  

No Ceará, Antoine trabalhou de 2014 a 2015 na Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), para onde retornou no último dia 3 de março, no intuito de compartilhar com os ex-colegas os avanços da sua pesquisa. Dias depois da palestra na Funceme, em entrevista ao O POVO.dom por Skype, o pesquisador contou, em português fluente, como o monitoramento da qualidade da água dos açudes pode ser útil no gerenciamento dos usos do bem. Além disso, revelou o que as mudanças climáticas apontam como tendência para o Nordeste brasileiro nos próximos anos.  

Hoje, Antoine se aprofunda em eventos de cheias fortes no Mar Mediterrâneo. Contudo, segundo ele, sua pesquisa se adequa à realidade cearense, uma vez que se debruça sobre a “extremização” dos fenômenos meteorológicos que causam tanto cheias quanto secas severas, a exemplo da que vive o Ceará. Confira na próxima página a entrevista completa com o pesquisador.

 

O POVO - Em 2014, época em que você trabalhava no desenvolvimento do mestrado, você já havia conhecido algumas das bacias hidrográficas cearenses, especialmente os reservatórios Orós e Castanhão. O que observou naquela época a respeito da qualidade da água presente nesses mananciais? Antoine Colmet-Daage - Foi algo que nasceu depois de se constatar que nesses reservatórios existiam problemas de eutrofização (desenvolvimento de algas de forma massiva, que pode ter consequências sobre os peixes). No caso de Castanhão e Orós, essas algas se chamam cianobactérias e liberam uma toxina que pode trazer consequências graves se forem ingeridas. Então, foi percebido que o desenvolvimento dessas algas não era constante, tinha uma forma de ciclo, e a ideia era entender quais eram os elementos responsáveis pelas variações da quantidade de algas, que a gente chama de concentração. Tem épocas em que aumenta e diminui. Basicamente, a época em que a concentração aumenta é o período de seca, em que não chove e o nível do reservatório diminui. Isso, adicionado à quantidade de água perdida para a evaporação, faz com que haja o mesmo número de algas em quantidade de água menor. Esse foi o primeiro fenômeno. Outro também interessante: as primeiras chuvas. Tudo o que você tem na superfície do solo que está relacionado a adubos químicos e nitratos é tipicamente o alimento das algas. Então, com o início das chuvas, antes de o Castanhão começar a correr, tem primeiro esse aporte lateral que traz uma água que está muito concentrada em fosfato e nitrato e aumenta a concentração. O contrário é muito mais fácil de entender: a diminuição da concentração de algas era devido ao aumento da quantidade de água no açude, ocorrendo uma diluição básica. OP - Como essa pesquisa poderia ser aplicada? Antoine - Se a gente conseguisse prever a variação de concentração dessas algas, poderia estabelecer usos estratégicos (da água). Por exemplo, próxima semana estaremos num pico de algas, então, usem água unicamente para irrigação, não para beber ou tomar banho. Uma semana depois, a concentração (de algas) estará baixando, então bebam. Tentar ter uma estratégia assim para adaptar os usos da água desses açudes (Orós e Castanhão). A nível de Fortaleza, a água é usada de qualquer forma e tem custos de tratamento que podem ser muito altos. OP - Passamos por cinco anos de seca e estamos aguardando o fim da atual quadra chuvosa para sabermos se este ano também se configura como continuação da estiagem. Você credita esta situação às mudanças climáticas? Antoine - Acho que isso não deveria nem mais ser uma pergunta. Mudanças climáticas hoje já estão validadas por 95% da comunidade científica. As consequências, a nível de mudança de temperatura, já foram bem sentidas. O tempo que a gente passa sobre essa pergunta, não passa procurando soluções. A gente perde pesquisa sobre como se adaptar. No Nordeste, o sistema de chuva, pelo meu conhecimento, é super-relacionado aos fenômenos El Niño e La Niña, que acontecem no Pacífico. E o que se percebe é que a frequência de aparição (desses fenômenos) vai mudar. Ainda não está bem certo, mas que vai ter mudança, vai. É importante entender isso porque tem que começar a ter uma reação coletiva. Não é história que estamos lançando, é uma coisa completamente estabelecida. OP - Como você projeta essa questão das mudanças climáticas daqui para frente? Quais serão os impactos no Nordeste? Antoine - Essas mudanças são sentidas de maneira diferente em função de onde você está. Hoje eu estou muito especializado na área Mediterrânea, então não tenho quase nenhum conhecimento sobre o que vai acontecer no Nordeste. Mas, basicamente, o que a gente sabe é que vamos em direção a uma extremização dos fenômenos. Ou seja, as cheias vão ser mais fortes e as secas também. Isso, basicamente, é o que a gente já percebe em muitos lugares do mundo e é o que a gente está percebendo atualmente no Nordeste, com esses cinco anos de seca seguidos, que fazia tempo que não acontecia. Agora, tem que tomar cuidado sobre o tempo das mudanças climáticas. A gente trabalha sobre um período de 30 anos. Uma mudança de cinco anos (de seca) pode ser compensada por outra mudança de cinco anos de cheias. É mais essa história de extremos, e o problema é que os extremos são mais complicados de gerenciar. OP - Como foi voltar para a Funceme este mês e compartilhar com os profissionais da Fundação as descobertas do doutorado? Antoine - Essa parte climática eu desconhecia muito quando trabalhava na Funceme, estava mais focado na hídrica. Então, foi interessante mostrar que eu já entendo um pouco mais da atividade deles. Em paralelo, mostrei o que estou vendo aqui no doutorado, a aplicabilidade que poderiam ter esses métodos que estou desenvolvendo sobre fenômenos similares no Nordeste. Particularmente trabalho hoje muito mais com fenômenos de cheias e a gente tenta avaliar a frequência de aparições desses fenômenos extremos no futuro. A Funceme sempre esteve bem próxima às organizações que decidem (sobre a gestão da água), na verdade ela é uma dessas organizações. O que não é sempre o caso aqui na Europa, em que o rumo da pesquisa às vezes é um pouco distante do rumo operacional. OP - Além dos pormenores hidrológicos e meteorológicos, o que você aprendeu no Ceará? Antoine - Gírias, sotaque (risos). O que me impressionou no Ceará é que gestão de água é uma coisa complicada. Acho que ninguém em Fortaleza sente realmente a falta. Fortaleza não leva água para lugar nenhum do Estado. Consome uma grande parte sem estar enfrentando os problemas relacionados a essa água. Tem sempre esse paradoxo de saber que tem pessoas no Interior esperando carro-pipa enquanto, em Fortaleza, tem pessoas lavando o carro (com mangueira). É impressionante ver esses contrastes, mas que não são tão relacionados a gestão; muito mais a comunicação. Não acho que seja má vontade. Muitas pessoas não realizam o que está acontecendo porque não se sentem pessoalmente implicadas pelo problema. Aqui na Europa, sei que a mentalidade mudou muito e não tão relacionado ao modo de gerenciamento, mas, sim, a uma imensa campanha de comunicação que teve e que está mostrando que funciona. Mais pela comunicação do que por um preço de água mais alto. OP - Pretende desenvolver mais alguma pesquisa aqui? Antoine - Não sei se pretendo desenvolver mais alguma pesquisa, mas gostaria de voltar para aplicar métodos que a gente está desenvolvendo aqui e que potencialmente podem passar um pouco para a área operacional. Numa pesquisa, após se desenvolver alguma coisa, a ideia é tentar aplicar em diferentes lugares para ver como funciona e trazer resultados. Voltar seria, talvez, para uma interface entre a pesquisa e a área operacional. 

 

Frase

“O que a gente sabe é que vamos em direção a uma extremização dos fenômenos. Ou seja, as cheias vão ser mais fortes e as secas também. Isso, basicamente, é o que a gente já percebe em muitos lugares do mundo e é o que a gente está percebendo atualmente no Nordeste, com esses cinco anos de seca seguidos”

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